Capitulo 1

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Abro os olhos e não sei onde estou. Essa é a primeira coisa de que me dou conta.

Minha visão está embaçada, como se eu tentasse enxergar através de vidro sujo. Pisco, sentindo a luz incomodar meus olhos. Minha cabeça dói, uma dor pulsante que ameaça fazer meu cérebro explodir.

A percepção do mundo à minha volta chega aos poucos. Estou deitada em alguma superfície dura, e demoro alguns instantes para entender que estou no chão. Me mexo minimamente, a mão roçando o piso de cimento queimado. Um cheiro forte e ácido invade minhas narinas — urina. Meu nariz coça, e sinto uma necessidade urgente de levantar.

Com dificuldade, me coloco de pé. O mundo gira à minha volta, entrando e saindo de foco, como uma câmera quebrada. Cambaleio, e me apoio em algo duro e gelado; uma pia. Apoio-me nela, e ergo os olhos para um espelho sujo na parede. Não consigo distinguir minha forma, uma massa de cabelos escuros bagunçados, pele alva, e olhos estreitos irreconhecíveis. O reconhecimento vem como um susto, e percebo que não me lembrava de este ser meu rosto. Não lembro como me pareço.

Não lembro quem eu sou.

O pânico faz meu coração acelerar e eu me sinto subitamente quente. Não se exalte, diz uma voz no fundo da minha mente — minha voz? O conselho parece sólido, e eu tento me agarrar a ele, mas quando tateio, vacilante, até encontrar uma porta e a saída, é difícil não deixar que o pânico suba pela minha garganta e vaze por todos os poros.

Minha cabeça está pesada e minhas pernas, bambas. Tenho a ilusão de que tudo está muito perto e muito longe ao mesmo tempo, como se as coisas mudassem de lugar de propósito, só para me confundir. Os sons à minha volta são altos, e ao mesmo tempo, parece que não consigo escutar nada. Estou drogada? Devo estar. Mas não me lembro que droga posso ter tomado, se o fiz por conta própria ou se fizeram isso comigo.

Onde estou? Olho para os lados, mas não faço a menor ideia. O lugar é amplo, fechado, aparentemente vazio. Tomo um susto quando ouço um barulho de algo se aproximando em alta velocidade, e olho para o lado apenas para ver um trem chegando na plataforma. Estou tonta demais para distinguir as palavras no letreiro, para entender onde estou ou para onde aquele trem vai. Apoio-me em uma pilastra e espero. Poucas pessoas descem, algumas entram.

Preciso pedir ajuda.

Lanço-me aos transeuntes sem conseguir realmente distinguir quem está em meu caminho. Sinto que estou andando em meio a fantasmas, pois não consigo enxergar seus rostos ou definir se são homens ou mulheres. Trombo em um, e quase caio; é o estranho quem me impede de ir ao chão, segurando-me pela cintura e pelos braços, vacilando por um segundo comigo.

— Moça? Você está bem?

— Au... aua... iu...

Os sons que emito são indistintos. Sei exatamente o que quero dizer, mas não consigo formar as palavras. Elas se perdem na minha língua, meus lábios flácidos incapazes de dar voz às sílabas.

O que aconteceu comigo? Por que eu não consigo falar?

— Fica calma, eu vou chamar a segurança.

Segurança. A palavra ativa algo em mim, uma parte perdida e visceral de pânico que faz com que eu chacoalhe a cabeça rápido, agarrando-me aos braços do estranho. Segurança não. Segurança não. Tento dizer isso a ele, mas os sons insistem em não se transformarem em frases coerentes. Tudo menos a segurança.

— Ok, ok, calma. — ele parece entender mesmo que nada do que eu tente falar faça sentido — Então calma. Podemos ir para um hospital. Podem cuidar de você. Eu te levo.

Hospital. Não, não, não. Médicos, seringas, bisturis, jalecos, o cheiro de água sanitária. Não, não, não.

— Me diz o que fazer. Me diz como te ajudar! — o estranho parece desesperado.

E assim, sem saber como, sem saber por que, emito a única palavra que consigo pensar, a única que me parece boa o bastante.

— Asa. — falho na primeira tentativa, mas lanço-me a ela de novo — Casa.

No EscuroWhere stories live. Discover now