Capítulo 11

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Não há ninguém em casa quando acordo no dia seguinte. Um bilhete na geladeira me diz que Caleb e Christine saíram para "resolver umas coisas" e estarão de volta no início da tarde. Não pela primeira vez, me sinto um estorvo; os dois tem uma vida, e minha presença os está impedindo de vive-la. Eu fugiria, se fosse um pouquinho menos egoísta. Eles não merecem passar pelo que estão passando.

Mas sou egoísta, então fico. Durante as primeiras horas, não toco em nada. Fico sentada no quarto, abraçada aos meus joelhos, vendo o tempo passar. A casa dos dois - percebo apenas agora que não sei nem seu sobrenome - parece grande e limpa demais para me abrigar, como se eu pudesse sujar cada uma das paredes imaculadamente claras apenas caminhando pelos cômodos.

Mas conforme o tempo passa, o tique do relógio começa a me enlouquecer. O silêncio me deixa agitada, e não me movimentar faz com que eu me sinta estranhamente tonta e perdida. Então me levanto e saio para o corredor.

Passo pelas portas fechadas e me pergunto qual delas será o quarto de Caleb. Tenho a estranha necessidade de abrir porta a porta para conferir, mas me contenho; já é ruim o suficiente que eu invada sua casa sem precisar invadir também sua privacidade. Cruzo os braços, mantendo as mãos sob as axilas como se pudesse assim me impedir de encostar em alguma coisa ou fazer algo que não devo.

Passei incontáveis vezes por este mesmo corredor nos últimos dias, mas não havia reparado que, bem ao final, já chegando na escada, há uma pequena mesinha com alguns porta-retratos empoleirados. Abaixo-me para vê-los melhor. São quatro ao todo. O primeiro, menor, traz uma foto antiga, as cores saturadas mostrando um casal alegre, rindo em uma praia. O segundo, logo ao lado, é do mesmo casal no dia do casamento; o sorriso da mulher é tão grande que ameaça rasgar seu rosto. No terceiro, dois bebês idênticos, um garotinho e uma garotinha, encaram a câmera sem sorrir. E então, vem a última.

É o maior de todos os quadros, ficando atrás dos outros três e ocupando sozinho metade do espaço. É obviamente uma foto feita em estúdio - o fundo genérico, cinza-azulado, a boa qualidade da iluminação me servem de indicação. As quatro pessoas na foto usam suéteres natalinos combinando, e imagino se as fotos foram para algum cartão de boas festas que famílias normais fazem. O mesmo casal das fotos anteriores aparece aqui, mais velho agora, ele com um bigode cheio, ela, com uma vasta cabeleira encaracolada. Entre eles, duas crianças sorridentes que reconheço imediatamente como Christine e Caleb.

Sem sequer me dar conta de meus próprios movimentos, deixo meus dedos tocaram a superfície fria do porta-retratos. Meus dedos contornam a silhueta dos fotografados, minha mente criando memórias de algo que não presenciei. Será que eram tão felizes quanto aparentam na fotografia? Será que Christine implicava com Caleb, ou que ele puxava o cabelo dela? O que fizeram depois dessa foto - teriam voltado direto para casa, ou parado em algum lugar para comer, se divertindo como fazem as famílias normais?

Quero tanto saber as respostas que quase tomo o quadro nas mãos, como se ele pudesse me sussurrar algo a mais. Mas então me dou conta de que o que quero não é a verdade sobre o passado da família de Caleb: é sobre o meu. Se tive família, se ela algum dia procurou por mim. Ou se sou um rato criado em laboratório, um bicho cujo único valor é o científico, e, mais dia menos dia, sem ter para onde ir, acabarei voltando.

No EscuroWhere stories live. Discover now