Capítulo 12

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Quando Caleb e Christine retornam, estou sentada no jardim. Descobri que os fundos da casa se abrem para uma imensa área verde, com uma piscina vazia e um galpão de ferramentas, grama crescida e flores malcuidadas. Sinto-me estranhamente reconfortada pelo descuido do jardim; é uma mancha na perfeição interna, a prova de que eles não têm o controle sobre tudo. Sento-me ao lado de um canteiro de peônias murchas e recosto-me contra a parede e quase adormeço sob o sol do início da tarde quando Caleb aparece e faz sombra sobre mim.

— Achei que tivesse fugido. — ele diz, abaixando-se. Está ofegante, e me pergunto se é porque chamou meu nome pela casa enquanto me procurava. O pensamento faz com que eu me sinta melhor e pior ao mesmo tempo.

— Não. — respondo. Penso em completar a frase, em dizer-lhe que o pensamento de fugir de fato me ocorreu, mas que não tive coragem por ser egoísta demais, mas acabo ficando em silêncio; também sou egoísta demais para admitir minhas fraquezas, egoísta demais para tolerar o olhar que sei que ele vai me dirigir se soubesse o que estou pensando.

Caleb se senta na grama e lança um olhar torto para o jardim.

— Faz tempo que não venho aqui fora. Acho que precisamos de um jardineiro. — comenta, naquele tom neutro que as pessoas costumam usar para puxar conversa. Se eu fosse uma pessoa normal, talvez respondesse com alguma recomendação, alguma anedota, talvez até uma piada. Mas nunca tive um jardim, até onde sei, talvez nem mesmo uma casa, e como todos os outros assuntos comuns, este também parece me fugir.

— Onde vocês foram? — pergunto, então, direto ao ponto. Ignore todo o resto, Mayumi; foque na verdade, e em libertar-se dela.

— Christine tem uma amiga que trabalha no DETRAN. — ele diz, com um longo suspiro — Fomos até lá checar a placa do carro.

— E?

— E... — ele hesita, e então se levanta — Por que não entra? Tenho certeza que a Chris vai querer explicar pessoalmente.

Ele me estende a mão, que encaro por um instante antes de aceitar. Sua mão está quente, mas o choque que parece atingir minha pele é tão grande que ele poderia estar congelado. Solto-o assim que estou de pé e cruzo os braços com força, seguindo-o pelo jardim e para dentro de casa.

Christine está na cozinha, guardando compras. Caleb senta-se num dos bancos próximo à bancada, mas continuo de pé, mantendo alguma distância. Ela leva uma eternidade para guardar cada item, e só então apoia os cotovelos na bancada e olha para mim.

— Então. Caleb te atualizou? — pergunta.

— Não. Achei que você ia querer fazer as honras. — ele responde por nós dois, pelo que sou grata. Mesmo com toda a ajuda, ainda me sinto desconfortável perto de Christine; mais ainda quando ela fala diretamente comigo.

— Ótimo. — ela puxa um papel do bolso, que abre sobre a bancada. Dou apenas um passo em direção a eles — A van pertence a uma empresa chamada LAS Consultoria. Eles tem um site muito bonito, com várias daquelas fotos estranhas de Shutterstock de gente feliz trabalhando, e supostamente prestam consultoria financeira para várias empresas.

— Mas? — Caleb pergunta, como se fosse o assistente do professor, fazendo as perguntas certas nos momentos certos.

— Mas o telefone deles está desativado, e o endereço que eles informam no site como sendo a sede é uma furada. É um prédio comercial que pegou fogo há uns cinco ou seis anos. — ela continua.

— E o que isso quer dizer? — pergunto, só então me dando conta de que já estou perto o bastante para puxar o papel para mim apenas esticando o braço, se quiser. Mantenho os braços cruzados, as mãos firmemente guardadas sob as axilas.

— Quer dizer que é uma empresa de fachada. — Christine responde, com um sorriso que só consigo definir como perigoso — A LAS Consultoria não existe.

— Então é um beco sem saída. — digo, e afasto-me um passo, quase sem perceber.

— Sim, e não. — diz Caleb, virando-se para mim — De fachada ou não, ela tem que estar registrada no nome de alguém. E se seguirmos o rastro do dono da fachada...

— Talvez encontremos o que ela está tentando esconder. — completa a irmã, parecendo satisfeita. Não pela primeira vez, tenho a nítida impressão de que Christine está se divertindo com nossa pequena investigação. Não consigo decidir se isso me ofende ou me fascina. Ela bate as mãos sobre a bancada — Mas antes de continuarmos com o trabalho policial, eu preciso de um banho. Com licença, crianças.

Ela se vai, deixando-me sozinha com Caleb. Sinto o olhar dele sobre mim, mas mantenho a cabeça baixa, dividida entre a vontade de correr para além dos muros da propriedade e desaparecer, ou correr para o quarto e esconder-me lá. Na dúvida, permaneço parada.

— Mayumi... — ele diz, e a suavidade com que fala meu nome é como facas sobre a minha pele — Tem algo que eu queria te perguntar.

Forço-me a erguer o rosto, encarando-o por apenas um segundo. Não há piedade em seus olhos, apenas preocupação e algo mais. Curiosidade talvez.

— Essa... esse... isso que você pode fazer. — Caleb gagueja, e o simples subtexto faz meu coração acelerar — Você consegue controlar?

— Não fiz de propósito. — me apresso em dizer, a voz saindo estridente.

— Eu sei, eu sei. — ele ergue as mãos em defesa, e encolho-me ao pensar que talvez ele me encare não mais como alguém a ser protegida, mas como uma ameaça. Suas próximas palavras, contudo, me fazem parar — Não é por isso que estou perguntando.

Encaro-o, perplexa. Caleb corre as mãos pelos cabelos.

— Esse... dom, ele é parte de você. — ele diz, calmamente — E não sabemos como funciona. Mas talvez ele seja útil, sabe? Talvez você precise dele. É sempre melhor controlar do que temer.

Não digo nada. Não sei o que dizer. Caleb faz parecer simples, mas não é como algo que eu conseguisse ligar e desligar. É algo que se apodera de mim — não estou certa de que consigo me apoderar dele.

— Pensa nisso, ok? — ele diz, e após uma breve hesitação, aponta para os fundos da casa — Pode ficar lá fora quanto tempo quiser. E pode sair, se quiser. Você não é prisioneira aqui. Só... só me prometa que vai voltar para mim. Para casa.

Ele solta as últimas palavras como se quisesse corrigir-se pelas anteriores, mas o estrago já está feito. Uma revolução se instala na boca do meu estômago, e acho que nunca mais conseguirei olhar para Caleb sem sentir que um pedaço meu está se partindo.

— Eu prometo. — murmuro, e então saio para o jardim outra vez.

No EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora