Capítulo 6

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Saio do quarto apenas para visitas rápidas ao banheiro. Estou trêmula e instável, e temo que a qualquer momento, a escuridão possa me dominar novamente. Toda vez que tento me acalmar, ouço aquela voz do sonho e ela surte o efeito contrário. Meu coração acelera e minha mente turva, e preciso me abraçar para manter todos os pedaços soltos dentro de mim.

Caleb retorna mais algumas vezes me trazendo água e comida. Não sinto fome, mas tento comer mesmo assim, ainda que apenas para demonstrar que sou grata. Seu olhar de preocupação pesa sobre mim como uma mortalha. Decido que sairei dali na manhã seguinte, com ou sem memória. Não posso continuar dependendo da bondade alheia. Ele já me salvou uma vez; já fez mais que o suficiente.

Contudo, quando levanto no dia seguinte, vestindo as roupas com que cheguei e com um discurso na ponta da língua, encontro Caleb e Christine na cozinha, com o café da manhã a postos, como se estivessem apenas me esperando aparecer.

— Aí está ela! — ela exclama, e, mais baixo, só para o irmão, acrescenta — Como disse que ela se chamava mesmo?

— Mayumi. — ele responde, um sorriso brincando em seu rosto.

— Mayumi! — Christine repete, batendo as mãos — Senta aí. Estou fazendo panquecas.

Hesito, encarando-a enquanto ela desfila pela cozinha com ingredientes. É uma cena tão absurdamente banal que fico desarmada. Todo o meu discurso sobre como preciso ir embora morre antes mesmo de nascer.

Lentamente, aproximo-me do balcão e tomo um dos banquinhos. Caleb olha por sobre o ombro para a irmã e se inclina para mim.

— Sob hipótese nenhuma comente o sabor das panquecas. Ela é muito sensível. — sussurra, abrindo um meio sorriso. Sinto vontade de sorrir também, mas a emoção não se forma; talvez meu rosto tenha esquecido como se faz.

— O que foi que você disse aí? — Christine pergunta, alto demais. Seu timbre agudo dói em meus ouvidos.

— Nada. — ele responde, um tom dissimulado, e me lança uma piscadela que faz meu estômago se agitar. Então endireita as costas e se vira para a irmã — Então, conta pra Mayumi o seu plano pra descobrir informações sobre ela.

— Ah! Claro. — ela vem até o balcão, carregando um pote cheio de massa de panqueca, que continua batendo enquanto fala — Bem, você acordou em uma estação de metrô, certo? Elas costumam ter, tipo, dezenas de câmeras de segurança. Tudo que temos que fazer é conseguir uma imagem.

— É, Sherlock, mas tem um probleminha. — Caleb cruza os braços, olhando de mim para ela — Essas imagens não ficam arquivadas nas estações, e sim na central. Não tem a menor chance de conseguirmos acesso a elas sem um mandato de polícia.

— Não. — digo, tão rápido que atropelo as últimas palavras de Caleb. Respiro fundo, mas o arrepio incontrolável que sinto faz com que eu precise me abraçar — Não quero que envolvam a polícia nisso.

— Certo... — Christine franze o cenho levemente. Assim como Caleb, ela também é um livro aberto de suas emoções. Sei que provavelmente me acha maluca, talvez até uma criminosa em potencial, mas não posso arriscar. Simplesmente não posso. — Bom, mas só porque não podemos ter acesso às câmeras do metrô, não significa que não podemos ver o que aconteceu naquele dia.

— Como assim? — é a minha vez de franzir as sobrancelhas. Christine sorri.

— Você não apenas surgiu lá dentro, certo? Tem que ter entrado por algum lugar. — explica — E todos os estabelecimentos comerciais do mundo tem câmeras hoje em dia. Só precisamos ir até alguns deles e perguntar.

Assinto devagar. Parece um plano sólido. É melhor do que nada. Olho para Caleb, e ele também está sorrindo, um sorriso exatamente igual ao da irmã.

— Sabe, você devia entrar pro FBI. Ou criar uma gangue. — diz, de um jeito afetuoso e brincalhão que me é completamente novo. Nunca ouvi ninguém usando esse tom, muito menos comigo.

— Talvez eu faça isso. — ela responde, e seus olhos recaem sobre mim — Eu espero que você não esteja planejando sair de casa vestindo isso. Te emprestei várias roupas boas, faça-me o favor de usar.

Sinto meu rosto corar quando encaro meus próprios trapos velhos, e faço que sim com a cabeça. Enquanto ela e Caleb retomam o que parece ser sua rotina de todas as manhãs, eu escapo para o quarto para me trocar.

No EscuroWhere stories live. Discover now