Capítulo 5

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Vanessa preparou-se para a reunião no 500º andar na qual, aparentemente, receberia as explicações do Comandante a respeito da viagem para Marte. Preferiu não contar a seus pais o que ia fazer porque, apesar de eles já saberem, ela preferia fingir que não era assim. Gostava de pensar que era um segredo só seu e que somente ela iria para Marte quando, na verdade, centenas, ou talvez milhares, de pessoas tinham sido convocadas. Mas ela era apenas mais uma. Nada tinha de especial.

Ela pensou sobre a profecia e perguntou-se como era possível que algo assim ocorresse, considerando que a religião era raríssima na Nova Terra. Isso só poderia ser explicado de uma única maneira: Adriano, um homem velho, vinha de uma época na qual os deuses ainda reinavam sobre a Terra. "Será que em 1990 Jesus aparecia todo natal para desejar um feliz ano novo?", ela pensou. De qualquer forma, hoje ele não vinha nem viria mais. Que Deus viria para um mundo onde ele não era desejado?

Antes de sair, Vanessa escondeu debaixo da cama o desenho que fizera de Marte. Tendo sempre sido mimada pelos pais, eles não se importavam em presentear-lhe com algo tão perigoso e proibido como a arte. Muito provavelmente eles eram contra o governo, mas disso Vanessa não sabia, pois ninguém conversava sobre política em casa. Pensou, por fim, no porquê da arte ser ilegal. A razão mais óbvia era que ela era desnecessária, pois, como Vanessa aprendera desde criança, um quadro ou um livro literário não tinham nenhuma função prática, exceto dar prazer a quem fez bem como a quem consome. Mas e se ela tivesse, de fato, uma função prática? E se o real motivo do governo proibi-la era controlar a população e manipulá-la como uma marionete?

Vanessa saiu e lembrou-se de que não havia elevadores até o andar 500. Na verdade sequer se recordava da existência de um piso tão elevado. Por muito tempo vivera próximo ao 50º e, diante de seu privilégio, sequer pensava naqueles que tinham menos e precisavam lutar para sobreviver. Ela nem mesmo imaginava que aquela Torre era tão alta.

Caminhou pelas escadas por duas horas. Esse era o tempo necessário para sair do 100º e chegar ao 500º. Considerando que a Torre onde vivia tinha facilmente um quilômetro de extensão, subir e descer fazia parte de sua rotina, bem como a de todos os habitantes de sua cidade. Embora muito tempo atrás as pessoas caminhassem em linha reta, hoje tudo era feito verticalmente.

Caminhando pelos andares mais elevados, Vanessa via apenas breu e escuridão. É claro que aqueles andares não recebiam luz elétrica, já que, em sua maioria, não estavam repletos de nada além de prostituição, criminalidade e drogas. Quem se importaria com isso? A garota se esforçava para não olhar para as portas abertas e tentava manter-se concentrada no chão. Apesar da sujeira, ela seguia com a cabeça erguida, esperando chegar ao destino final.

Finalmente chegou. Diante de sofás mofados, paredes manchadas e uma luz opaca, Vanessa observou uma sala amplamente iluminada e ricamente decorada. Lá dentro havia dezenas de pessoas sentadas em cadeiras esperando algo começar. "Será aqui a reunião?", pensou.

– Onde está Adriano? – perguntou Vanessa ao primeiro que viu pela frente.

– Ele não está, Vanessa. Já cumpriu seu papel – respondeu um homem de meia idade que vestia roupas extremamente formais – sente-se. Aproveite para experimentar esse delicioso refrigerante conhecido como coca cola. É do século XX.

Vanessa, que nunca tinha ouvido falar de tal bebida, bebericou o copo. Achou horrível. Tinha gosto de açúcar com gás. Seu estômago embrulhou-se. Porém, não teve tempo de pensar. Sentou-se enquanto o homem que lhe deu a bebida começou a falar:

– Boa noite a todos. Sejam muito bem-vindos à nossa primeira reunião. Serão muitas. Mas garanto que o que vou dizer agora interessará a todos – ele bebeu um gole daquela estranha bebida chamada coca cola – como vocês sabem, dezenas de mentes prodigiosas estão elaborando maneiras de sairmos da Terra e, pela primeira vez na história, povoarmos o planeta Marte. Vocês podem se perguntar: o que eu tenho a ver com isso? A resposta é simples. Cada um de vocês foi escolhido por uma razão distinta, mas todos têm algo que os difere dos outros; são especiais de algum modo. Na nova sociedade que será criada, cada um é valioso à sua própria maneira. Assim, ofereço-lhes uma proposta: vocês trabalham para nós e te daremos, em troca, a possibilidade de construir uma nova vida do zero. Não importa o que vocês são aqui. Em Marte vocês serão capazes de ter uma nova chance de mostrar seu potencial em se tornar uma pessoa cada vez melhor – ele disse

Uma passagem para MarteWhere stories live. Discover now