Capítulo XL

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Após causar tantas desventuras em Southfield Park, August preferiu embarcar em uma viagem a Londres, sem um retorno próximo. Lá, prometera ao pai ajuizar-se, mas, na verdade — como suspeitava Cassandra —, o sujeito manter-se-ia na patuscada, em busca de aventuras ociosas de sua preferência. Indubitavelmente, à velha boemia o rapaz pertencia; e à velha boemia retornaria, sem a supervisão dos familiares a perturbarem o sossego.

Cassandra, conformada há anos do declínio de seu casamento — se um dia ele tivera sua ascensão —, prometera a si mesma não ter mais a mente ansiosa por culpa de August. Dali por diante, como já estava sendo, sua devoção seria totalmente à filha. A pequena Ophelia crescia menos amedrontada, especialmente com a ausência do pai. Graças aos tios e à mãe, a criança prosperava, na esperança de ser uma moça mais animada do que o início de sua infância. Cassandra prometera que os anos que restavam da meninice de Ophelia seriam ocupados entre momentos de ensinamentos e brincadeiras; e faria o que fosse possível para sua amada cria não ter um futuro parecido com o presente da mãe.

Naquela tarde, enquanto Thomas dedicava-se à paróquia, Emma trouxera seus três filhos para passar o dia em Southfield Park. As crianças brincavam no jardim, fantasiando um reino maravilhoso, cujo único tormento era um dragão a causar o caos. Elas, por sua vez, seriam as desbravadoras guerreiras a enfrentar aquele mal. Ophelia e Frederick sorriram mutuamente, felizes pela parceria entre os sobrinhos; Cassandra e Emma conversavam sobre situações cotidianas de mães, rindo daquelas que julgavam cômicas.

— Na semana passada, George perguntara a Thomas por que as aves voavam e nós, não. — riu Emma, despertando a atenção de Ophelia e de Frederick. — Argumentou ser injusto nós não podermos voar.

— Pois eu concordo.

— Claro que você concorda, Fred — brincou Ophelia. — George e você têm o mesmo nível de imaginação.

— Levarei isso como um elogio.

Ophelia riu, assegurando de que era realmente uma amabilidade para com o seu marido.

— E o que Thomas respondeu? — questionou ela. — Aposto que dera uma de suas respostas metódicas.

— Espantosamente, não — disse Emma, tão surpresa quanto o restante de seus acompanhantes. — Dissera que Deus dera muitos dons aos homens, por isso achou melhor diferenciar algumas espécies de animais com qualidades específicas. As aves, voam; os peixes, nadam; e os homens, pensam. E pensar, falou Thomas, é algo admirável ao ser humano.

— George aceitou a resposta? — perguntou Cassandra.

— Ficou confuso — riu a Sra. Stanhope, seguida pelas risadas dos outros três. — Mas, no final, gostou de saber que pertence à espécie pensante.

Ophelia gostou do pai que Thomas havia se tornado. Sua resposta para o filho não seria muito diferente daquele que o falecido reverendo daria a um dos seus. A dama fitou seu sobrinho, admirada pela figura que crescia aos poucos. Havia muita semelhança física com o Sr. George, o que fazia Ophelia sempre comover-se ao ver o sobrinho. Lydia e Jane eram, cada qual, de personalidades e aparências herdadas do pai e da mãe. Lydia parecia-se mais com Thomas, principalmente no jeito de levar as situações mais a sério; já Jane, era a simpatia de Emma e sua característica apaziguadora. As duas ainda eram muito pequenas, mas Ophelia sabia que seriam duas mocinhas bonitas e educadas. Orgulhava-se por seu irmão ser, assim como era o reverendo George, extremamente presente na vida dos três pequenos. Thomas havia evoluído com a paternidade.

O mesmo, lamentou Ophelia, não se aplicara a August. Observou sua sobrinha com o mesmo nome que o seu, tranquilizada diante de uma criança mais aberta e extrovertida. Apiedava-se da menina, porém, ao vê-la aproximar-se e chamar Frederick para brincar junto com todos os pequenos, notou que o tio era e sempre seria a figura paterna que ela precisava. Frederick era muito solícito e agradável para com a sobrinha; eles costumavam brincar juntos e inventar histórias mágicas.

Ao ver o seu marido partilhar de momentos genuínos com as crianças, Ophelia sentiu um calor em seu coração. Sorriu, encantando-se pelo homem que tinha por companheiro. Pela primeira vez, não enxergou Frederick como amigo, mas, sim, como homem. Quando ele havia ficado tão cativante? Ele sempre o fora, é claro, mas Ophelia sentia que só naquele momento havia, de fato, reparado; só naquele momento vira a real beleza de seu marido amigo.

Tais pensamentos a fizera enrubescer. Emma, ao fitá-la, questionou se o rubor era por conta do calor. A fim de evitar constrangimentos, Ophelia concordara; estavam em pleno verão e, naquele ano, os dias pareciam menos amenos do que de costume.

Mais tarde, quando a noite inundava o céu com suas estrelas, Ophelia e Frederick recolheram-se para seus aposentos. Da janela, a moça observava a lua, rodeada por pontinhos brilhantes. Recordou-se instantaneamente de seu pai e das noites de conversas inspiradoras. De braços cruzados, abençoava o magnífico infinito.

— A muralha já está posta — chamou-a Frederick, descontraidamente. Aproximando-se de Ophelia, mirou o céu junto com ela. — Está uma noite muito bonita, não é mesmo?

— Sim — concordou, sorrindo para ele. — Uma vez, meu pai e eu tivemos uma conversa sobre a infinidade do universo e a possibilidade de existirem outros mundos. Não necessariamente parecidos com o nosso. No entanto, creio que existam outras Ophelias, cada qual com sua respectiva realidade.

— E como você imagina que as outras Ophelias vivem?

— Acho que, assim como eu, elas têm um Fred para chamar de amigo.

— Espero que tenham um Fred para amar.

De súbito, a moça mirou o rapaz, notando uma timidez por parte dele. Ele, por sua vez, observou o pingente do colar que a presenteara em um Natal passado, acariciando-o com os dedos, delicadamente.

— Sinto muito por tudo que passou enquanto esteve aqui, em Southfield Park. Gostaria de tê-la protegido mais e tê-la evitado de passar por situações decepcionantes.

Frederick acariciava o A.B. grafado no pingente de Ophelia.

— Sei que sua decepção com August acumulou-se ao longo dos anos — disse, entristecido. — Não gostaria que tivéssemos chegado a esse ponto... Eu queria poupá-la de todos os sofrimentos, mas falhei.

— Você não falhou em nada, Fred. — Ela afagou o rosto do rapaz, obrigando-a a encará-la nos olhos. — A você devo apenas gratidão.

— Eu gostaria mais do que sua gratidão.

Ele pegou a mão dela e beijou-a ternamente. Percebendo que ela iria responder à sua investida, balançou a cabeça, sorrindo sem ressentimento.

— Não precisa dizer nada. Não digo que irei acostumar-me com o fato de que nunca irá enxergar-me como um homem, assim como um dia enxergou ao meu irmão. Todavia, prometo-lhe não ser desagradável retornando a este assunto. Conscientizo-me de nossa real união e felicito-me por ter me encorajado a declarar meus verdadeiros sentimentos. Por ora, basta; fiz o que achei que precisava fazer, sem a pressionar a nada. Casei-me por amor, Ophelia. Sinto que o mesmo não tenha ocorrido com você.

— Casei-me por amor, também — revelou a moça.

— Nossos amores são distintos, mas agradeço por ter sentimentos pueris por minha pessoa.

Frederick aplicou um beijo na testa de sua esposa, e direcionou-se à cama. Acomodou-se, virando-se para o lado oposto no qual Ophelia se encontrava, com o intuito de não ter mais tais conversas. A moça continuou a fitá-lo, um tanto encabulada. Queria ter-lhe dito mais, porém, não conseguiu.

O que se passava em seu coração era algo que ela própria não tinha a certeza de decifrar.

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