Ophelia despertou com uma certeza em seu coração: amava a Frederick. Seus sentimentos pelo amigo de infância havia se desenvolvido e se metamorfoseado em uma calorosa e respeitável emoção. Naquela manhã, levantou-se primeiro do que o seu marido, mirando-o dormir do outro lado dos travesseiros meticulosamente alinhados sobre a cama, formando uma barreira protetora. Ophelia não desejava mais ser protegido, tampouco poupada pelos verdadeiros afetos que transbordavam em seu ser.
A moça calçou seus sapatos e jogou o robe sobre o corpo. Fitou Frederick mais uma vez, sorrindo ao vê-lo placidamente adormecido em seus sonhos que ela deduziu serem de temas amenos e felizes. Em seu íntimo, Ophelia aquecia-se de satisfações renovadas; suas expectativas não haviam sido frustradas em relação àquela união. Pela primeira vez, sentiu-se realizada por um ato escolhido que dera belas consequências à sua vida.
Aquela noite, um baile dos Collins seria realizado para comemorar as bodas de cinquenta anos de casamento do Sr. e da Sra. Collins. Ophelia viu naquela festiva ocasião o momento idealizado para o romantismo surtir o efeito que ela gostaria de provocar em Frederick. Prometeu que revelaria seus reais sentimentos ao marido, informando-o de que o casamento havia sido como ela sempre almejara: por amor.
Quando, enfim, a noite do baile fez-se presente, Ophelia arrumara-se com primor, cuidando de cada detalhe para que sua aparência fosse do seu agrado para uma festa de tamanha importância — não apenas aos Collins, mas, também, para Frederick e ela.
Animada, a moça apresentou-se ao seu par, o qual não lhe poupou elogios. O Sr. e a Sra. Blackall acompanharam-nos ao baile, e seguiram ao salão de festas em uma única carruagem. Alguns minutos depois, já estavam à frente do local da festa, desfrutando do som musical espalhando-se pelas ruas. Frederick, educadamente, auxiliou sua esposa a descer do transporte; enquanto o Sr. Richard fazia o mesmo com a Sra. Fanny. Os dois casais Blackall adentraram o salão e, lá, foram recepcionados pelos felicitados Collins, regozijados pela companhia e pelas bodas.
Após alguns meses da morte de August, a Sra. Fanny permitiu-se, pela primeira vez, sair de Southfield Park. Ophelia e Frederick foram os principais insistentes para que a mulher deixasse sua Cassy sozinha por uma noite, e tentasse consolar-se em companhias animadas e dançantes. Farta das persistências do filho e da nora, a Sra. Fanny cedeu, na promessa de esforçar-se em divertir-se. E, de fato, conseguiu animar-se um pouco mais por meio de conversas tolas com as outras senhoras da região. Aos poucos, a mulher do Sr. Blackall ficava à par das últimas notícias de Hampshire, conscientizando-se dos fuxicos que julgou interessantíssimos.
O Sr. Blackall, por sua vez, envolveu-se nos jogos de cartas com os demais cavalheiros, arriscando-se em partidas apenas por entretenimento. Há anos aprendera a lição de não se meter mais em apostas; ideia esta intensificada ao descobrir que seu filho, o sempre correto Frederick, também se aventurara em tal perigoso e sombrio mundo dos vícios das cartas. Apenas jogava para passar o tempo e para distrair-se da realidade.
No salão, Ophelia e Frederick iniciaram uma dança, rindo espontaneamente um ao outro. Ao finalizar a música para dar espaço à outra, a moça chamou o marido ao jardim, em busca de uma conversa particular com o cavalheiro. Casados, não despertariam interesses ou fofocas maldosas dos outros convidados.
— O que você queria-me contar com tamanho entusiasmo? — perguntou Frederick, divertido pelo jeito ansioso de Ophelia. — Não me diga que irá revelar-me um segredo romântico?
Diante da brincadeira, Ophelia fechou o semblante em uma expressão mais séria. Compreendera a pilhéria de Frederick, pois ele nada sabia sobre seus sentimentos. E entendera mais ainda porquanto a referência de jardins floridos, iluminados pela luz da lua e abençoado pelas estrelas, era um cenário propício e muito comum aos casais apaixonados. Não fora à toa que Ophelia escolhera exatamente aquele ambiente. No entanto, ao escutar Frederick falar, pareceu que sua coragem havia esgotado de imediato.
— O que foi? — indagou ele, ao vê-la pensativa. — Disse algo que a ofendera?
— De forma alguma, Fred — sorriu, aliviando-o de sua culpa. — É que sua brincadeira despertou-me a seriedade do assunto. Temo estar a arruinar nossa parceria diante da revelação a seguir.
— Preocupa-me, Ophelia. Aconteceu-lhe algo?
Recuperando o fôlego que não percebera ter perdido, Ophelia relatou ao marido o que escondia apenas para si:
— Eu o amo, Fred; eu verdadeiramente o amo. Meu amor infantil e amigável evoluiu para o amor romântico e atrevido — riu desconcertada. — Eu não o amo mais como apenas um amigo ou por conta da recordação do menino de outrora; mas, sim, como o homem que me faz feliz e desperta o meu encanto e o meu mais sincero respeito. Eu o devoto, Fred, e pretendo consertar o tempo perdido entre nós dois. Perdoa-me por não o amar inicialmente. Perdoe-me por ter amado seu irmão, quando este nunca mostrou nenhum interesse em mim, como mulher. Eu fui tola ao encorajar-me em algo impossível; fui cega em não enxergar o homem que esteve ao meu lado, oferecendo-me amor. Eu deveria tê-lo visto, há muito tempo, como o vejo agora. Você é o meu único amor.
Atônito, Frederick a encarava, ainda perdido nas palavras aceleradas. Depois, sorriu distraído, entendendo o real assunto daquela conversa que ele sonhara há tantos anos.
— Você ama a mim? — repetiu, expondo-se radiante. — Ophelia, nenhum perdão deve a mim por não corresponder aos meus sentimentos. Querida, você não era obrigada a amar-me apenas porque eu a amava. Entendo os motivos que a levaram a amar meu irmão; afinal, August despertava o interesse das moças. E entendo que não me enxergava como homem, mas, sim, apenas como um amigo. Você faz-me feliz — realmente feliz! — ao contar-me seu amor justamente por esse parvo apaixonado. Oh, Céus, nunca fui tão afortunado.
Frederick pegou as mãos de sua esposa e as beijou devotamente.
— Você tem certeza de que me ama? Por favor, não diga que é um amor por piedade.
— Jamais! — rebateu a entusiasmada Ophelia. — Eu descobri esse amor quando ele florescia em meu coração. O meu amor por você é real e sincero, querido Fred. O amor que senti por August era juvenil e fantasioso. O meu amor por você, Fred, é o mais genuíno, o mais maduro o e mais verdadeiro. — Ophelia recebeu as carícias de seu marido, afagando-lhe a face. — Hoje, querido, posso dizer que sou uma mulher realizada. Hoje, posso dizer que me casei por amor. Eu finalmente realizei o meu sonho, e não poderia ser com outro homem, exceto você.
— Ophelia, eu quem realizei meu sonho ao casar-me com a mulher que sempre amei.
Pela primeira vez, Ophelia e Frederick beijaram-se ternamente, na boa ventura de perpetuarem o amor mútuo e cativante. Beijaram-se carinhosa e reciprocamente. Frederick segurava o rosto de sua esposa, contagiado pelas emoções que explodiam em seu peito. Ophelia sorria diante do abençoado momento e do afortunado futuro. Dali em diante, o casal poderia orgulhar-se pelo matrimônio; a conveniência nunca fora tão conveniente.
— Não temos mais um casamento branco, então? — zombou Frederick, encostando sua testa na de Ophelia.
— O que iniciara em branco, receberá as tonalidades da felicidade.
O branco recebera sua vasta palheta de cores.
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Casamento Branco
Historical Fiction[VENCEDORA DO WATTYS2020 | CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA] Frederick e August Blackall são irmãos gêmeos não-idênticos. Aos doze anos, iniciam aulas particulares com o reverendo George Stanhope, um homem viúvo com três filhos: Thomas, Arthur e a caçula...