Capítulo XLII

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"Ao Sr. Blackall,

Responsabilizo-me, senhor, de informar a você e a sua família sobre uma trágica situação, cujo resultado fora a morte prematura de um de seus filhos, August Blackall. Encarreguei-me de prontificar à família do falecido cavalheiro, pois eu, como seu amigo de Londres e de Oxford, testemunhei a fatídica ocasião na qual August pagara com sua própria vida.

Primeiramente, apresento-me como amigo de August Blackall. Frederick também me conheceu nos tempos de Universidade, mas apenas tive a amizade prolongada com um dos gêmeos. Desde Oxford, August e eu tornamo-nos grandes companheiros, e não o pouparei de revelar que nossas maiores diversão eram na patuscada. O senhor conheceu-me em Londres, e tive o prazer de visitá-lo há dez anos, quando participei do baile de debutante de uma amiga de August e, hoje, esposa de Frederick: a Sra. Ophelia Blackall. Desde então, nunca mais tive contato com sua família em Southfield Park.

Após relembrá-lo de quem sou, explicarei os fatos que levaram ao falecimento de August. Confesso não saber como começar, porquanto intimidades serão reveladas e, consequentemente, causarei constrangimentos à Sra. Cassandra Blackall. August havia me avisado sobre a ciência da esposa quanto aos seus maus comportamentos; mesmo assim, não me sinto à vontade em divulgar o que prometi ao meu amigo. Em seu momento de morte, August agarrou-me pela casaca e murmurou a mim: "Avise minha família; conte-lhes tudo, sem esconder nada". Se o pedido fora feito e prometido, tenho a obrigação de cumprir meu dever.

August Blackall envolveu-se com a Sra. Eliza Cecil, mulher casada com o Sr. Hamilton Cecil. Os dois tiveram um longo envolvimento amoroso, tendo o adultério como o pecado. Foram anos os encontros às escondidas; pareciam protegidos de qualquer malefício social. No entanto, a verdade surge quando nossa segurança infla nosso ego e cega-nos os olhos. Quando tudo parecia perfeito a August e a Eliza, um amigo de Hamilton descobriu o segredo e revelou-o, imediatamente, ao traído marido. Ao descobrir a traição, o Sr. Cecil fora categórico em sua conduta: desafiou o seu oponente a um duelo.

Muitos foram os erros de August, mas sua segurança tornava-o arrogante. Esgrimista desde a época de Oxford, acreditou que seu desafiador não seria capaz de derrotá-lo. A vitória, segundo ele, era certeira.

No dia do duelo, eu servi de testemunha a August; enquanto o amigo que revelara tudo — Sr. Mainwaring —, testemunhou ao lado do Sr. Cecil. Devo dizer que a luta demorou-se; ambos os esgrimistas eram talentosos e habilidosos. August desferia golpes deveras arriscados, mas surpreendentemente elaborados; já o Sr. Cecil era mais discreto, porém manuseava a espada como um verdadeiro cavalheiro de nobre estirpe. Os homens batalhavam, não mais se preocupando com o coração de uma jovem donzela — se em algum momento, de fato, pensavam em duelar pela Sra. Eliza; acredito que tudo não passou de um amargor masculino e de um narcisismo exagerado. Confesso que o tempo demorou a passar e minha ansiedade aumentava; cada ousada atacada, meus nervos iam aos tormentos.

Por fim, ambos os cavalheiros encontravam-se exaustos. August, muito seguro de si, acreditou ter mais fôlego por ser o mais jovem. Todavia, senhor Blackall, a vaidade de seu filho levou-o à ruína. Ao tentar ridicularizar seu oponente, não esperava que este, astutamente, desferiria um golpe certeiro no coração de seu filho.

Não consigo descrever o que senti naquele momento. Ao ver August cair, corri para socorrê-lo, mesmo sabendo que nada poderia fazer para salvar a vida de meu amigo. Em meus braços, despedi-me de August e escutei seus últimos suspiros. Além de pedir-me para contar tudo à família, desejou perdão a todos aqueles que um dia o odiaram por motivos compreensíveis. Ele sussurrou-me: 'Fui um homem vil, e agora pago por meus pecados. Despeço-me de todos, ciente do mal que um dia os causei. Se, por ventura, perdoarem-me os erros, encontrarei a placidez da vida eterna. Que Deus tenha piedade de minha alma'. Nunca havia escutado August poetizar; jamais imaginei vê-lo em uma humilde ocupação de seu ser.

Compadeço-me de sua perda e asseguro-os de que não poupei lágrimas diante da morte de August Blackall. Conscientizo-me de suas falhas, mas, para mim, sempre fora um excelente amigo e guardarei comigo as melhores recordações de nossos dias juntos.

Quanto à Eliza, não sei qual será seu desfecho. O Sr. Cecil parecia realmente revoltoso diante da postura da mulher. Ele, por sua vez, mostrou-se um verdadeiro homem, não debochando da morte de seu rival. Disse-me: 'Apenas cumpri com o meu papel; e realizei minha tarefa brava e honestamente. Se o matei, foi porque eu mereci fazê-lo'. Não é um sujeito ruim; apenas um homem entristecido por ter se casado com uma mulher infiel.

Solidarizo-me, senhores, com a perda. Peço perdão por não comparecer a Southfield Park e contar pessoalmente a triste notícia. Confesso que me faltou coragem de encarar a toda a família de August; não saberia como relatar os verdadeiros motivos à atual viúva. Perdão por minha covardia; prometo ser presente em outros auxílios, em especial, à cerimônia fúnebre.

Minhas últimas palavras a August são: fora um cavalheiro de companhia amistosa e divertida; tenho em mim as lembranças de nossos dias de juventude. Despeço-me de meu amigo, com os mais sinceros desejos de que sua alma seja abençoada pelos anjos. Como ele mesmo pedira: que Deus tenha piedade.

Ao senhor, Sr. Blackall, presenteio-o com a confirmação do respeito e orgulho que August tinha de sua pessoa. À Sr. Blackall, o amor materno o fazia resplandecer. Ao gêmeo, Frederick, a admiração. À viúva, Sra. Cassandra Blackall, e à filha, pequena Ophelia, o perdão pela negligência. E, por último, à Sra. Ophelia Blackall, cunhada e amiga de outrora, a confirmação do afeto. A todos, August decepcionou, mas sei que gostaria de comunicar o quanto eram especiais. Perdoem-no por não ter conseguido demonstrar seus sentimentos mais genuínos. Provavelmente, queria mostrar-se mais forte, porém fez de forma equivocada.

Não estou aqui para ser o advogado do diabo. Não pretendo retirar as responsabilidades dos atos falhos de August Blackall. Apenas desejo que saibam que a formação humana é baseada no bem e no mal; cabe a nós demonstrarmos as características que nos convier. Lembrem-se: antes de julgar a August, recordem-se de que ele já não está mais entre os vivos; e que os julgamentos tem-nos como alvos, também.

Despeço-me, desejando os mais sinceros pesares.

Com carinho,

T. Gower."

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