Capítulo XLIII

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Após a carta do Sr. Timothy Gower, amigo de August, a família despedira-se daquele que morrera por consequências de seus atos inconsequentes. A Sra. Fanny, agarrada à cadelinha Cassy, era apenas lamúrias e sofrimentos. O Sr. Blackall mantinha-se firme, mas sua estrutura de mármore não escondia seus verdadeiros lamentos. Cassandra nada expressava, porém parecia um misto de tristeza e alívio, determinada, pela primeira vez, a ser feliz; ao seu lado, a pequena órfã de pai, magoada pela perda permanente, visto que há tempos a perda já havia sido marcante. Frederick, o gêmeo restante, chorara por seu irmão; reconhecia seus defeitos, mas não poderia negligenciar o irmão que a vida havia lhe dado. Ophelia, por sua vez, também sentiu a perda, agarrada à memória de um August Blackall de outros tempos, no qual o rapaz ainda era apenas um garoto mal humorado e repleto de planos ambiciosos.

Com o tempo, aos poucos a residência de Southfield Park reestruturava-se diante da perda prematura. Pouco a pouco, os Blackall fortaleciam-se e retornavam ao cotidiano. Exceto a Sra. Fanny, que não conseguia lidar com a morte de seu amado August. Em uma angústia amargurada, a mulher refugiou-se em sua própria depressão. O Sr. Richard enfurecia-se pelos choros de sua esposa, não aguentando os soluços incessantes. Apenas Frederick e Ophelia foram condolentes com a senhora, sendo-lhes o conforto que ela precisava. No começo, a Sra. Fanny Blackall fora muito ranzinza e mal educada com Ophelia; ainda desgostosa por tê-la como nora, a tratava diante de absolutas reprimendas e humilhações. No entanto, Ophelia sabia que aquela ira vinha de uma mágoa profunda. Insistiu em suas investidas gentis e amorosas a fim de silenciar o azedume e o rancor da Sra. Blackall. Reconhecendo os esforços de Ophelia, nunca mais a mulher reclamou — embora também não fizesse elogios. Na verdade, sentia-se internamente grata pela genuína caridade da moça e de Frederick. Dali por diante, ele seria seu único filho.

Quanto à Cassandra, decidira que não moraria mais em Southfield Park.

— Escrevi ao meu irmão, e ele aceitou a mim e à minha filha para morarmos com sua família, em Londres — relatou a viúva, semanas depois do falecimento de August. — Se continuei nesta residência durante todos esses anos, fora apenas para manter as aparências e mostrar à sociedade que meu marido e eu tínhamos um casamento aceitável. Agora, não preciso mostrar nada a mais ninguém. August foi-se; mas Ophelia e eu continuamos vivas. Tentaremos viver o tempo que nos basta.

A despedida de Ophelia e Cassandra fora dolorosa, principalmente à primeira que não teria mais a companhia de sua querida amiga. A viúva Blackall convidara a todos para visitá-la em Londres, na promessa de que, um dia, também retornaria a Hampshire. Cassandra e sua menina partiram em busca de suas respectivas felicidades.

Southfield Park tornara-se mais vazia e sombria. Ophelia tinha a sensação de que August matara a todos os Blackall. Até mesmo os roubos frequentes haviam cessado, concretizando o que Ophelia já tinha suposto sobre o verdadeiro responsável dos crimes. E, justamente, recordando-se disso, ela expusera sua observação do fato ao seu marido.

— Como eu imaginava, August quem estava a roubar a residência. No entanto, não falemos mais sobre esse assunto, pois seu irmão já não pertence mais a essas realidades mundanas.

— Preciso confessar-lhe — disse Frederick, envergonhado. — August nunca fora o causador dos roubos; mas eu, sim.

Espantada, Ophelia encarou seu marido no intuito de captar uma expressão de culpa por inventar tamanha mentira. Todavia, enxergou verdadeiro constrangimento em relação ao ocorrido.

— Você, Fred?

— Sei que, a partir de hoje, você me olhará com os olhos do julgamento e da decepção. Não a culpo se o fizer. Compreenderei se não quiser mais falar comigo ou ter-me como companheiro. Porém, após tantas ocorrências desastrosas em nossa família, principalmente com a morte de meu irmão, vi-me na obrigação de confessar meus pecados. — Fez uma pausa, sentindo o remorso invadir seu ser. — Eu contei tudo ao meu pai, logo após a carta de Timothy. E só agora conquistei a coragem para revelar-lhe minha vergonha, pois você iniciara o assunto. Seria muito mau-caratismo de minha parte se eu a deixasse continuar pensando que meu irmão era o responsável pelos roubos. Se soubesse que você pensava isso, ter-lhe-ia revelado há muito tempo.

— E por que você estava fazendo isso? — indagou Ophelia, aproximando-se de Frederick para consolá-lo. — O que houve para você chegar a esse extremo?

— Começou quando iniciei o noivado com Agatha. Vi-me em uma ansiedade incomum, e busquei calmaria em algo que percebi fazer-me controlar as emoções. Ao visitar Londres, ainda no tempo de noivado, comecei a apostar em jogos de cartas. O vício dominou-me, e, quando eu percebi, já não conseguia controlar-me. Preferi roubar os pertences da casa de meus pais, pois não tinha coragem de informá-los sobre meu vício e pedir-lhes dinheiro para alimentá-lo ainda mais. Envergonho-me, porque poderia ter causado problemas aos empregados ou a qualquer pessoa inocente que frequenta Southfield Park. Fui fraco e covarde; e é neste tormento que me torturo.

— Os furtos eram para pagar quem? — investigou Ophelia, recordando-se da história do Sr. Richard Blackall e seu agiota.

— Aos parceiros de jogos que devia. Nunca me meti com um agiota, se é o que está a pensar.

— É que já escutei histórias parecidas...

— A do meu pai, suponho.

Surpresa, Ophelia encarou-o.

— Sim, meu pai também já tivera problemas com jogos. Mas, ao contrário dele, não tive nenhum problema com devedores suspeitos. Devo àqueles que participavam das apostas.

— E ainda joga, Fred? — Ophelia segurou a mão do marido, almejando a resposta. — Ainda continua com o vício?

— Não — sorriu ele, beijando as mãos dela. — Quando me casei com você, prometi não jogar mais. E estou conseguindo manter a promessa. Não sinto mais o demônio a tentar-me.

— Fico feliz — falou Ophelia. — Sabe que estou aqui para ajudá-lo, não sabe? Pode contar comigo, Fred. Não precisava ter-me escondido isso.

— Envergonhar-me-ia de contar-lhe os problemas. É uma vergonha que carrego comigo, e custo a olhá-la nos olhos, Ophelia, temendo enxergar desapontamento.

Para provar que não continha ríspidos julgamentos em seu coração, Ophelia segurou o queixo de Frederick e fê-lo mirá-la. Ela sorria, comprovando sua devoção ao amigo. Acariciando o rosto do marido, a moça quis mostrar-lhe seu afeto e sua admiração. Sabia que um vício poderia corromper o homem; mas sabia ainda mais que um homem que reconhecia suas fraquezas era objeto das mais sinceras demonstrações de honra e dignidade. Ao reconhecer seus erros e estar arrependido de suas falhas, Frederick, humildemente, aprendera e desejara recuperar-se do que não almejava mais em sua vida. Por Ophelia, ele buscava ser um homem melhor. E, sabendo disso, Ophelia o amou ainda mais, cativada por sua destreza em mostrar sua humanidade e suas inseguranças.

— Você nunca seria capaz de desapontar-me, Fred — disse, sinceramente. — Vejo arrependimento em você. Eu não sou nada tampouco ninguém para perdoá-lo ou julgá-lo de seus pecados. Você é meu marido, Fred, e eu o aceitei com suas qualidades e seus defeitos. Sei que o mesmo fora feito por você, ao casar-se comigo. Somos companheiros de uma longa jornada, meu querido. Eu o amo com todas as suas perfeitas imperfeições.

— Eu a amo também, minha doce Ophelia — emocionou-se o cavalheiro.

Os corações de dois jovens enamorados eram preenchidos de júbilos e alacridades. 

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