Catraca

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"O único Estado estável é aquele

no qual todos os homens são iguais perante a lei."

Aristóteles

"Nós queremos liberdade, e acreditamos que sua existência é incompatível com todo e qualquer poder, não importa qual sua origem e forma, não importa se foi eleito ou imposto, monárquico ou republicano, inspirado no direito divino, direito popular, óleo santo, ou sufrágio universal".

Manifesto dos Anarquistas: Lyon, 1883.

O sol lá fora nascia, iluminando quadra a quadra do Distrito Jekyll, brotando por detrás de prédios enormes que cobriam o céu rosa-alaranjado de poluição que ficava tão bonito por trás dos vidros fechados, impedindo que sentíssemos o fedor de corrupção, pobreza, violência e morte que exalava das calçadas miseráveis lá de baixo.

Quanto mais alto do chão, melhor, este era o princípio da vida na selva outrora e era assim que vivíamos também naquele mundo moderno onde as empresas privadas não tinham mais espaço no chão para construir mais nada, de modo que nossa sociedade cresceu, triplicou, mas sem mais espaço, levedou para cima, fazendo gigantescos prédios serem erguidos como muros violentos contra o sol, contra a chuva, assim como plantas pertinazes que se esticavam pelas copas das árvores para poder receber um pouco de luz.

Havia crianças que nasciam e morriam lá embaixo, na Velha Cidadela sem jamais ter o prazer de ter sentido o sol tocando diretamente em sua pele, contudo eu ali em cima em minha sala recebia diretamente os primeiros raios solares me ofuscando os olhos cheios de olheiras que enfeitavam depois de três dias sem dormir sequer por cinco minutos à base de remédios, café, cigarro e boa vontade.

A grande crise na divisão de três dias anteriores desencadeou em pelo menos dois chefes de segurança, um presidente de setor, um chefe de estado e metade da inteligência entrando na minha sala apenas para parar atrás de mim, colocar as mãos nos queixos e encarem a mesa de equipamentos como se ela pudesse aprender a responder questões, sozinha, e lhes contar tudo a respeito da falha; a falha que não era falha.

Expliquei a todos eles, cada um deles que entrou ali a mesma história.

Talvez vinte, trinta, mil vezes, que havia detectado um vírus muito sutil, momentâneo, que logo foi rompido com as defesas e por tal razão minha conexão com meu Receptor foi literalmente não invadida, mas cortada.

E nas mil vezes que eu disse isso, nas mil vezes ouvi a mesma merda.

— Mas como é possível um sistema de fora ser capaz de derrubar o nosso?

E nas mil... Vocês já entenderam.

Mesma resposta.

— Isso porque foi interno. O vírus foi jogado via conexão de dados, precisaria estar muito perto, portanto não foi de fora. O sinal veio deste prédio.

Oh! Oh! Oh!

Era sempre a mesma coisa. Um monte de "Oh!" e assim aqueles três dias foram o que eu chamaria de dias de tortura. A segurança passou a investigar um por um dos funcionários e sinceramente, acho que cogitaram até dar a gente uns pros outros vigiar. Seria interessante o Melone me vigiando de dia e eu a ele a noite...

Se bem que depois dessa fase inicial isso quase aconteceu, mas foi até mais absurdo, logo chegaremos lá.

A agência estava em alerta.

Nenhuma nave estacionava no perímetro do prédio para nada sem ser revistado, os metrôs aéreos que corriam como minhocas douradas ao redor foram todos revistados a cada meia hora e o pessoal lá de baixo da Velha Cidadela foram os que mais sofreram, estavam revistando as casas de todos os Receptores, na esperança que o meu Receptor em questão pudesse dar a pista se iria agir, no entanto ele não deu.

The night WatchWhere stories live. Discover now