Ashikage Takauji

160 29 43
                                    



Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.

Bertolt Brecht

Aquela manhã não havia sol no horizonte, mas uma nuvem de cor chumbo que podia ver faiscando alguns trovões. Eu não sabia disso naquele momento dentro da cela, iria saber depois quando fosse levado para a área externa, estou te contando isso por que queria iniciar a narrativa sobre o dia da minha execução de uma maneira mais elegante que o que acontecia dentro daquela cela branca, sem graça onde as barras de laser cortante de um azul faiscante zumbiam e à noite tive febre e acordei pela manhã com sangue sujando os lençóis, sangue quando fui beber água, sangue por todo lado.

De qualquer forma, acho que o melhor é iniciar com a porra das nuvens que nem vi.

À noite recebi uma bandeja com comida, um mingau com aparência de vomito e um copo de suco que bebi inteiro, contudo o mingau eu não tinha a menor vontade de comer, apenas desabei na cama e dormi até o meio da madrugada, onde rolei de dores no corpo até o amanhecer, mas era difícil saber também que horas amanhecia já que dentro da base as luzes não se apagavam e não tinham janelas.

Deduzi ser de manhã porque uma bandeja de café e ovos mexidos artificiais chegaram. Achei uma boa ideia comer, pois morrer de barriga vazia não fazia meu estilo.

Seria bem legal ter bebido um bom scotch antes, comido alguma coisa gordurosa sem me importar com todos os suplementos alimentares de cunho balanceado, no entanto tudo que tive foi o ovo estranho e o café morno. E isso graças á Lorde Dio.

Estava sentado na cama, sem perspectivas, me importando em enfiar o dedo na boca e contar se nenhum dente havia sido arrancado, como as minhas unhas, mas por milagre da natureza estavam todos lá.

Intactos.

Isso é que eu chamo de uma boa base de cálcio.

Com o olho que conseguia abrir, vi dois soldados se aproximando e um deles destravou o painel das barras laser em frente à cela, rodopiando as chaves enquanto tagarelava sem parar sobre uma partida de algum esporte que assistiram no dia anterior.

Sequer pareciam se importar com o fato de terem vindo me buscar, como se o trabalho fosse cotidiano demais.

E talvez fosse! Deus sabe-se lá quantos como eu já não estiveram ali para serem abatidos, meramente, por razão alguma.

Naquele segundo eu percebi que não queria morrer, passei a me debater e pedi para chamar Lorde Dio, mas um pouco de força e eu já estava todo coitadinho outra vez, doce como uma garotinha miúda indo para a escola pela manhã.

The night WatchWhere stories live. Discover now