Fim de linha

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Quem quer, não a liberdade, mas o Estado,

não deve brincar de Revolução.

Bakunin

Privatizam sua vida, seu trabalho,

sua hora de amar e seu direito de pensar...

Bertold Brecht

Os mesmos lugares que passei, onde meus passos ressoavam do mesmo modo que antes não viam, porém o mesmo homem que desceu a Velha Cidadela, era um eu diferente.

Um "eu" que sentia o mundo lentamente deixar aquela miséria da Velha Londres e se tornar Jekyll, onde os outdoors com rostos sorridentes e naves caras se cruzavam em entendimento.

E foi naquela fileira de pedestres no tubo de vidro que olhei para cima, vendo as câmeras de segurança que eu, mais que ninguém, sabia se tratar de olhos de controle do governo. Abaixei o rosto carregando dentro de mim um vírus, um vírus contagioso e mortal; o vírus da traição.

Eu sabia que Caesar tinha um plano de sabotagem aos caminhões de ração do exército e o que me enchia de horror era o meu silêncio.

Eu não iria o entregar e me odiava por isto.

Era um traidor, eu mesmo me classificava um traidor e com essa certeza sabia também o que fazíamos com traidores de departamentos invisíveis como eu.

Primeiramente, um deletar de dados sistêmicos, assim, não pode ser considerado assassinato se você não existe.

Antes, é claro, conhecia as torturas que me esperavam.

Conhecia muito bem.

Mas não era isso que me apavorava e sim aquela pergunta do homem que claramente não era um maluco, era um espião deserdado, deixado vivo apenas com o propósito de ser ridicularizado para que ninguém acreditasse no que dizia.

Quem vigia os vigilantes noturnos?

A passarela de pedestres, um longo tubo em vidro e luzes, as câmeras me seguiam e aquilo estava me deixando maluco.

Cada rosto que me olhava, cada toque de ombro, eu sentia que seria um agente e eu o Receptor.

Eu poderia ser o Receptor de alguém naquele segundo.

Lentamente o suor passou a escorrer pela gola da minha camisa e me vi sufocando naquela passarela, queria o mais rápido sumir dos olhares anônimos porque eu, mais que ninguém, sabia que qualquer pessoa ali poderia ser um agente.

Quando entrei no meu apartamento e as luzes se acendem para mim, a voz doce soou com um "BEM VINDO JOJO" eu me escorei a porta, arfando e a minha paranóia iniciou.

Eu sabia todos os lugares onde instalavam escutas e câmeras, passei a arrancar os suportes de lâmpadas em vão, em seguida achei uma boa ideia furar o gesso do teto e o por abaixo, já era quase nove horas quando abri meus aparelhos eletrônicos e joguei meu videogame no triturador de lixo junto com o aparelho projetor de televisão, aparelhos de telefone, às onze horas, a crise de ansiedade começou a passar e eu tinha apenas a certeza que haveria de ter algum chip instalado dentro de mim me monitorando.

Em alguma parte...

Em alguma parte...

Mas larguei a faca e ri nervoso. Não iria procurar.

Vi-me no meio dos escombros que um dia chamei de lar e me deixei cair ali com o olhar perdido.

Valia a pena todo aquele pavor pelas palavras de um vagabundo insano que tinha a porra da cabeça de uma Barbie na barba? Valia a pena aquele pânico por uma trepada com um rebelde?

The night WatchWhere stories live. Discover now