7 - Sem ceder

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Hoje eu carrego na minha mochila um caderno de desenhos, sempre que tenho tempo livre rabisco alguma coisa. Foi desenhando que conheci a Camila.

Ainda no fundamental uma garota se mudou para o nosso bairro, uma daquelas casas do quintal da dona Lurdes que viviam sendo alugadas por viciados ou por famílias pequenas que depois de pouco tempo saíam em busca de algo melhor.

Bem, a família de Camila nunca achou algo melhor. Vivem ali há quase 10 anos.

Eu estava na frente de casa, com um giz que roubei da escola, riscando o asfalto, devia ter uns 8 anos quando essa menina veio até mim, com um caderno e um estojo de giz de cera perguntando se eu sabia desenhar uma árvore. Olhei o desenho dela e pacientemente a ajudei a terminar. No final tínhamos um cachorro, muito feio que mais parecia um cavalo, uma casa toda torta, algumas nuvens azuis no céu branco (que eu juro nao entender o sentido até hoje) e minha árvore, que modéstia a parte estava bem bonita, mas eu era 2 anos mais velha que ela então era normal que eu tivesse mais coordenação motora.

Depois disso fiz de tudo para ter um caderno também e desenhar. Camila nunca foi boa nisso, mas compensava sendo boa em todo o resto.

E eu... Bem... Eu descobri que só era boa nisso.

Quando eu fiz 18 e repeti o 3° ano pela segunda vez sem nunca ter conseguido parar num emprego por mais de duas semanas eu resolvi me prostituir para conseguir dinheiro e pagar uma faculdade. E lá estava Camila, com seus 16 para 17 anos e um corpão muito mais formoso que o meu fazendo-a parecer ser a mais velha dentre nós quando nos apresentamos para o ponto. Com certeza entramos por causa dela. Era linda, satisfazia todos os clientes, era doce, meiga...

Meu deus... Por alguns anos da minha vida questionei minha sexualidade por achar estar apaixonada por essa garota.

Eu, por outro lado, era só decepção, na escola, em casa, no ponto... De certa forma não me incomodaria se minha família soubesse do que eu faço... Não é como se algo pudesse piorar na merda da minha vida.

Mas Camila tinha uma boa convivência com os pais e era uma menina inteligente. Não sei porque ela se engajava nas minhas maluquices.

O mundo não sentiria falta de uma Ketlyn inútil...

Mas Camila...

Puta merda...

Camila nem deveria estar ali...

Camila não merecia ter aquele fim.

Era tudo culpa minha...

***

Ainda estou no tapete de Dante. Meu maxilar dói, minhas costelas ainda doem... Devo estar toda roxa porque ele passou a noite me chutando e me fazendo inúmeras perguntas que eu não me importava em responder porque em minha mente eu só via Camila e seu olhar desesperado se afogando amarrada na piscina daquele maldito iate.

Eu já estava bem acostumada a apanhar.

Apanhei da minha avó minha infância inteira. Apanhava na escola de meninas de séries mais altas. Apanhava na rua toda vez que me metia em alguma confusão que minha boca grande me colocava. Apanhava de clientes dia sim dia não e do cafetão pelo menos uma vez por semana.

Pois é... Eu aguento muito mais do que isso que o Dante está fazendo. Na verdade mesmo com todos esses músculos Dante estaria ferrado se não tivesse me amarrado! Porque eu sou pequena, mas sei bater também.

Se bem que eu não sei se teria forças. Não nesse momento.

Nesse momento eu queria Camila do meu lado.

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