garotinha

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Aquele era outro dia.

A luz que entrava pela fresta sumiu e voltou aos poucos, como o sol fazia durante as manhãs. Então ela sumiu outra vez, e a mesma luz amarelada do dia seguinte iluminou o lugar. Não comeram o pão e nem tomaram a água, e isso incomodava seus estômagos e gargantas, mas focaram-se apenas no plano que o garoto havia pensado.

Não era o melhor plano, mas infelizmente era o único.

Esperaram cerca de uma hora depois de a luz do dia acabar para colocarem em prática a primeira etapa. Trinity virou-se de costas depois de retirar uma faca do coldre direito. Era afiada para caralho. Finn se colocou atrás dela.

— Pronta?

— Faça logo isso.

Finn a obedeceu. Uma de suas mãos ele levou até a cintura de Trinity. Hesitou um pouco quando a tocou por cima do tecido. Os ombros da garota se tensionaram, mas ela não se moveu. Os dedos de Finn deslizaram pelo tecido a fim de encontrar uma fresta, uma brecha entre o espartilho e a saia que o levasse até, de fato, a pele de Trinity.

Ele a encontrou.

Sentiu o ar pesando conforme deslizava a mão para dentro do cós da saia, mas não tinha tempo para pensar muito sobre isso. Encontrou a última anágua. O Shelby sentiu um arrepio correr a espinha quando a tocou, mas precisou ignorar isso e continuar. Agarrou todas as camadas do cós com aquela mão e com a outra, a que segurava a faca, cortou-as. Eram várias camadas de tecido e, portanto, grossas enquanto unidas. Isso o obrigou a usar bastante força contra a roupa, arrancando Trinity do lugar quando saia e anágua finamente se partiram. Ela se desequilibrou um pouco, mas teve a ajuda do garoto para voltar ao lugar já que, por reflexo, Finn a segurou firmemente pela cintura.

Ela ainda estava tensa. Ele estava tenso.  Finn recolheu a mão depois de alguns segundos de silêncio, fitou as suas costas cobertas pelo espartilho bem amarrado.

— Ah, malditas anáguas — Trinity soltou um suspiro aliviado por finamente ter se livrado daquela coisa pesada. A calça que usava era bem mais confortável.

— Não se livrou delas ainda — ele lhe lançou um riso curto, mesmo que ela ainda não o olhasse.

Trinity girou o pescoço, encarando-o sobre os ombros. Curvou os lábios para o garoto. Ela segurou as anáguas outra vez ao recolhê-las do chão e as enrolou em volta da cintura, sem prendê-las. Com elas na cintura, Trinity se sentou e depois disso, não precisou mais segura-las pois para qualquer um que olhasse, a coisa ainda estava presa e aquilo era só um vestido.

Velho, mas um vestido.

— Ouça, Finn. — ela ergueu a mão e pressionou  o dedo indicador esguio contra o lábio curvado em um sorriso perverso.

O silêncio que se fez entre eles possibilitou que o Shelby escutasse o bater de sapatos contra o chão. Eles estavam chegando.

— Hora do jantar. — Finn devolveu enquanto um sorriso malicioso se formava em sua boca.

Ouviram trancas sendo destravadas.

Uma.
Duas.
Tres.

Finalmente a porta se abriu, revelando os mesmos homens do dia anterior, com o mesmo revolver apontado para eles e uma bandeja idêntica a deixada antes, e a que a segurava estupidamente adentrou o cubículo.

Ele tinha um ar de superioridade e poder que irritou cada célula de Finn, quem apertou os punhos até que o nó dos seus dedos ficassem brancos. A bandeja velha estava ao lado de Trinity, quem tinha os olhos tão falsos quanto as anáguas supostamente presas em sua cintura. Finn fingiu manter os olhos no homem que de aproximava de Trinity, quando na verdade, de soslaio, observava o que ainda estava na porta, vigiando-o.

— Tem sorte de ser filha do seu pai, Trinity MacGyver. Não sabe quantas pessoas lá fora querem a sua cabeça em um prato nesse jantar.

— E por que não servem o que os ratos desejam? — ela não conseguiu manter a boca fechada.

O homem a fitou com raiva, segurando-a pelo pescoço e a erguendo um pouco. O corpo de Finn se acendeu com a imagem e ele deu um passo instintivamente, seus músculos se tencionaram e o seu sangue começou a ferver, dando uma coloração avermelhada para o seu rosto.

— Garotinha estupida — ele sibilou com desprezo e desdém, recebendo como resposta uma cusparada no rosto.

— Eu não sou uma garotinha! — Trinity puxou da anágua uma faca e a enfiou completamente no pescoço do homem, sujando-se de sangue.

Finn teve pouco segundos para agir; o homem que sobrou atirou, acertando-lhe no ombro, mas ele não teve tempo de reagir a dor e então agiu no automático; tão logo a bala se alojou, seus passos largos o levaram até o maldito que atirou e ele cravou a faca na testa do tipo, manchando suas roupas e ensanguentando o seu rosto.

Quando o homem caiu, morto, Finn deu as costas e voltou-se para Trinity, preocupado. Aproximou-se e a segurou pelo ombro, seus olhos buscando o rosto da garota.

— Você está bem?

— Meu Deus, ele te acertou! — ela ignorou a sua pergunta, seus olhos se arregalando com o sangue descendo pelo braço de Finn. — Nós não temos muito tempo.

Trinity abaixou-se e segurou o tecido da saia que cobria as anáguas, cortando-o com a faca que instantes antes usou para matar um homem, a fim de salvar aquele de uma hemorragia. Trinity cortou uma fita de tecido e a amarrou o mais rápido que pode no braço do garoto, dando um nó apertado.

Eles fitaram um ao outro por cerca de cinco segundos, como se admitissem que suas vidas dependiam um do outro.

O momento fora interrompido pelo tiroteiro que se iniciou em algum lugar não tão distante deles.

— Thomas está aqui. — Finn concluiu.

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