14 de Junho de 1986 (Sábado)

256 21 126
                                    


Saí do avião para um mundo novo. Chegava ao México e era a primeira vez que viajava para o estrangeiro. De vez em quando ia, com os meus pais e o meu irmão, a Espanha, a uma vila fronteiriça de Portugal para comprar caramelos, atoalhados e outras coisas, mas isso não contava como estrangeiro para mim. Saía também da Europa pela primeira vez. Usava um passaporte e isso sim, era uma viagem a sério.

A luz era diferente, fazia um calor horrível e fiquei a arfar porque por muito que respirasse fundo, parecia que o ar não entrava nos pulmões. Levei aflita a mão esquerda ao pescoço, no cimo das escadas que iria descer para fazer o desembarque do avião.

– É a altitude – explicou a minha tia. – A Cidade do México situa-se a mais de dois mil metros de altitude e aqui o ar é mais rarefeito. Em breve vais habituar-te. Respira devagar.

– Sim, sim. Eu sei que o México se encontra a um nível elevado acima do mar... e essas coisas – disse, incomodada com a correção. Acrescentei: – E sei mais coisas. Está a acontecer o campeonato do mundo de futebol aqui e em setembro de 1985 houve um terramoto enorme que destruiu a capital e localidades dos arredores.

– Podemos ver ainda marcas dessa destruição. Mas se queres um conselho, mantém-te nos corredores turísticos. Não te deves aventurar para além dos lugares designados pelo governo e nem vale a pena. Acredita que não vais ver nada de especial e há bairros perigosos, nada aconselháveis para uma rapariga de catorze anos.

– Sim, tia. Eu sei.

Entrámos no autocarro que estava estacionado na pista do aeroporto e que levaria os passageiros para a aerogare. Devíamos passar pela alfândega, receber os carimbos, recolher as malas e só então podia dizer que a minha viagem pelas Américas estava verdadeiramente a começar.

Estava muito feliz por estar numa cidade diferente, num país novo. Mas também estava muito cansada e moída da viagem que durara umas horrorosas oito horas através do oceano Atlântico – isto sem contar com o voo de ligação de Lisboa a Londres e o tempo infinito passado em salas de espera cheias de fumo.  A diferença horária do México para Portugal era de sete horas. Agora eram cinco da tarde, mas para mim regulava meia-noite e eu só queria dormir.

Sempre gostei muito de viajar, mas nunca tinha ido a lado nenhum. O meu sonho era ir um dia a Itália, especialmente a Roma e ao Sul, por causa dos monumentos históricos. Também sempre gostei bastante de História.

Enquanto não cumpria os meus sonhos aproveitava o que havia – que era bastante escasso, diga-se – e nesta ocasião acompanhava a minha tia Anita Velez ao México. Ela fizera o convite para que a acompanhasse e eu disse logo que sim, antes mesmo de saber se teria a aprovação dos meus pais.

Tinham oferecido à minha tia, que era professora de História, uma comissão até ao fim do mês de junho num instituto que estudava o passado do país. Tinha o nome pomposo de Instituto de História e Arqueologia dos Povos Ameríndios. O trabalho consistia em participar em equipas de arqueologia, fazer relatórios, recolher informações pertinentes e inéditas. A minha tia ia ainda aproveitar para elaborar pesquisas para o doutoramento que estava a fazer em Portugal sobre o povo azteca. Ela convidou-me para fazer a viagem consigo porque conhecia o meu gosto por História e por coisas antigas. Contava ir com ela às escavações e tinha trazido um caderno para tirar apontamentos – este caderno onde estou a escrever este primeiro dia, entre bocejos, antes de me ir deitar e finalmente dormir.

Nunca pensei que o caderno haveria de servir para relatar outra aventura.

Quando a minha tia me contara que me queria com ela no México, pensei também no campeonato de futebol, claro. A seleção de Portugal tinha sido apurada para esse evento desportivo pela primeira vez em vinte anos e havia uma grande euforia em redor da participação da equipa nacional. Infelizmente, Portugal fora eliminado logo na fase de grupos e tinha-se despedido do campeonato no dia onze de junho. Fiquei triste. Mas logo arrebitei que eu não era de ficar a remoer tristezas e apontei o Brasil como a minha segunda seleção favorita. Queria ir ver um jogo de futebol do mundial!

Sonho de Verãoजहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें