21 de Junho de 1986 (Sábado)

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Dormi magnificamente, uma noite completa. Adormeci agarrada ao travesseiro, a relembrar o jantar maravilhoso que partilhara com Jean-Marie. Não, não estava apaixonada, determinei. Mas sentia-me bastante especial por ser alvo da sua atenção. Nunca tivera alguém, fora da minha família, que mostrasse que se importava comigo, que me fizesse sentir confortável e apreciada. Estava nas nuvens.

Preparei-me para passar a manhã de sábado na piscina. Cruzei-me com os jogadores que esperavam ir para o autocarro para seguirem para mais um, e último treino, de adaptação ao estádio Cuauhtémoc. A Espanha tinha cedido esse período do dia, mas o selecionador Guy Thys continuava a não estar contente. Discutia, gesticulava, protestava. A Espanha tinha dado a esmola e ainda tivera o desplante de escolher a tarde para si, que coincidia com a hora do jogo no dia seguinte. Trocando por outras palavras, a Espanha estava a fazer de tudo para prejudicar, com pequenas questões, a Bélgica.

– Não vais hoje connosco? – perguntou Enzo.

– Hoje, não! Hoje joga o Brasil ao meio-dia e quero ver. Estou muito confiante. Vou nadar um pouco na piscina, tomar um banho e pedir o almoço para comer no quarto.

– Ah! Excelente programa. Boa sorte para o Brasil, então.

– Muito obrigada, Enzo – agradeci em português com sotaque brasileiro. Ele entendeu e sorriu-me.

Jean-Marie fez-me a mesma pergunta. Disse que iria ter comigo depois, para ver o resto do jogo.

Estava muito ansiosa e contava os minutos até à hora da partida. O mundial retomava os jogos, as eliminatórias. Era vencer ou ir para casa. Tudo tão definitivo que me assustava e excitava. A mistura era enervante, mas tinha a alma a vibrar e sentia-me incrivelmente desperta e consciente do mundo. Adorava esse estado limite que me acendia todos os sentidos.

Um pouco antes do meio-dia regressei ao meu quarto. Tomei um duche rápido. Sentei-me em cima da cama, de frente para a televisão ligada e com o volume do som bem alto. A porta que dava acesso à varanda estava aberta para fazer circular o ar quente, misturando-o com as fragrâncias que vinham da rua. Nada de ar condicionado. Queria calor! Tremia um pouco e torcia as mãos.

O Brasil fora três vezes campeão do mundo, nos anos sessenta e no ano de 1970, também num mundial que acontecera no México. Era o eterno favorito e eu depositava as minhas esperanças nessa seleção.

Fiz uma curta avaliação ao meu desejo de ver o Brasil campeão e fiquei confusa em relação às minhas convicções. Vacilei. E onde encaixava eu a Bélgica, e mesmo a Argentina, no cenário global do campeonato que eu começava a encher de detalhes e outros apêndices?

Bem, um jogo de cada vez! Naquele dia era para apoiar os brasileiros!

Vieram os hinos, as cortesias entre os capitães de equipa, a moeda ao ar, o pontapé de saída.

– Vamos ganhar! – exclamei. – A França não pode connosco!

Adorava ver o jogo que o Brasil fazia. A seleção jogava como se aquilo fosse um encontro de amigos, uma brincadeira, uma diversão, um carnaval, um baile com o samba a marcar o ritmo. Ao primeiro toque, a bola a ser partilhada entre os jogadores brasileiros que fingiam que a equipa adversária não existia. E depois as suas camisolas refulgiam sob o Sol mexicano, como se tivessem sido tecidas com fios de ouro. Faziam jus ao nome que se dava à sua seleção, a canarinha, por serem amarelas como os canários.

Continuava a ser uma leiga no futebol, ainda que nos últimos dias estivesse a visitar os bastidores de uma equipa e tivesse acesso privilegiado à mecânica de como tudo funcionava. Com todo o conhecimento adquirido, porém, havia uma parte básica, aquela que me perturbava o espírito no bom sentido. Sabia o que me deixava feliz e encantada. O Brasil tinha esse efeito em mim. Aborrecia-me quando perdiam a bola para os franceses, exultava quando a recuperavam e prosseguiam naquela forma descontraída de jogar, na certeza de que o mundo futebolístico lhes pertencia.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now