27 de Junho de 1986 (Sexta-Feira)

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Os treinos aconteceram no campo de jogos do hotel, fechados ao público. Ou seja, nada de imprensa ou de outros mirones. A única intrusa era eu e sentei-me discretamente no banco. Ajudei na distribuição de coletes, de bolas e de garrafas de água.

O jogo de sábado iria ser ao meio-dia e todos os jogadores protestavam contra esse horário. Testaram dois tipos de camisolas e optaram por uma que os fazia suar menos. Mesmo assim, no fim do treino, todos eles pareciam que tinham levado com uma carga de água em cima. Os cabelos colavam-se molhados à testa e à nuca, os rostos brilhavam, os braços pareciam recobertos por uma película pegajosa, tinham restos de relva nas pernas.

Jean-Marie treinara à parte e desenvolvera exercícios muito simples que o deixaram enfastiado. Via-o indolente e sabotador, mas o técnico que o estava a auxiliar no treino não o admoestara, nem se incomodara em imprimir outro ritmo.

Michel Renquin passara grande parte da manhã a dar voltas inúteis ao campo, até estar tão cansado de tanto correr que se deixou cair estendido no relvado, como morto.

Os dois estavam a ser mais ou menos castigados pela sua insolência e achei aquilo despropositado. Como podiam aqueles dois homens adultos aceitar uma reprimenda típica de escola primária? Só faltava ostentar na cabeça aquelas orelhas de burro de cartolina para que os identificassem, perante toda a turma, de que eles se tinham portado mal.

Depois do almoço, Jean-Marie foi dormir uma sesta e pediu para não ser incomodado. Continuava afastado de mim e eu continuava a aceitar aquele novo estado de coisas. Era imprescindível, compreendi, para repor a harmonia dentro da seleção.

Sempre fora uma convidada pouco habitual, um elemento disruptor, um erro de percurso e não me cabia a mim insistir para que me aceitassem mais do que já tinham feito.

Fechei-me no meu quarto a ver televisão. Era um passatempo que me agradava e que me conseguia distrair durante horas. Revi os canais norte-americanos, filmes que nunca tinha visto, concursos e documentários que mostravam paisagens agrestes e maravilhosas. Nos intervalos escrevi no meu caderno sobre os últimos dias e dei por mim a recordar esses momentos com um sorriso radiante, especialmente o jogo da passada quarta-feira. Tinha saudades de Diego, mas não cometi a imprudência de lhe telefonar.

Bateram à porta. Julguei que fosse o guarda-redes, mas quando fui abrir apareceu-me o massagista. Estendeu-me o bilhete para o jogo do dia seguinte. Levei algum tempo até o agarrar. Tinha sido sempre Jean-Marie que me dava os bilhetes e senti que tinha havido ali uma pequena traição.

O meu tempo de maravilha com a Bélgica estava a findar.

– Obrigada... – murmurei.

– O Pfaff perguntou se precisas do passe.

– Qual passe?

– O cartão de acesso ao estádio.

– Ah, não, não preciso. Ainda o tenho, do jogo com a Espanha. Utilizei-o para entrar no Azteca 2000, na quarta-feira.

– Como foi que fizeste isso? – admirou-se Jacques.

– Bem... tapei o nome do estádio com o polegar e usei muito descaramento. Foi assim.

– Amanhã o estádio não vai estar cheio. Não é um jogo que desperte assim tanto interesse. Vão jogar as seleções vencidas e são de duas nações europeias. Os mexicanos estão mais interessados em Maradona e na Argentina.

– Desde que a seleção do México foi afastada do mundial que os mexicanos apoiam a Argentina. Será como uma pequena vingança se os argentinos ganharem à RFA, já que foi a Alemanha que eliminou o México. – Julgava eu, cheia de orgulho! Como estava enganada e iria comprová-lo no dia da final.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now