28 de Junho de 1986 (Sábado)

73 8 143
                                    


Os últimos jogos do campeonato mundial de futebol no México iriam acontecer ao meio-dia. O horário era odioso e odiado, derivava das exigências relacionadas com as transmissões televisivas para todo o mundo e que, no fundo, se relacionavam com dinheiro. Outro dos aspetos menos glamorosos do futebol que eu ignorava completamente.

Por causa disso, o despertar foi marcado para as sete da manhã e o pequeno-almoço reforçado para as oito que deveria terminar, impreterivelmente, às nove.

A opressão dos jogos decisivos já não morava ali e eu também me deixei imbuir no espírito mais tranquilo e divertido que se viveu naquela sala de refeições. Apesar de ainda desejar muito que a Bélgica vencesse, naquela fase já não era crucial para determinar o que quer que fosse. O meu pensamento voltava-se mais para a Argentina, a quem exigia uma vitória, essa sim bastante mais importante e fundamental. Ser-se campeão era certamente diferente de um terceiro lugar, sem qualquer dúvida.

Por enquanto, convivia com a seleção belga e antecipava com algum gozo e alegria o jogo do dia, esquecendo-me da ansiedade em relação a Diego e à sua equipa. Uma coisa de cada vez, determinei.

Aproveitei a boleia no autocarro belga, sentada ao lado do massagista, nos bancos da frente. No fim da viagem, apeei-me e escondi-me num recanto para que nenhum dos jornalistas que acompanhava a chegada da Bélgica ao estádio Cuauhtémoc desse por mim. Quando Jean-Marie passou puxei-lhe pela blusa.

– Boa sorte.

– Obrigado, ma petite. – Reparou no boné vermelho que escondia os meus cabelos. – Fica-te muito bem. Sempre te ficou bem. Não precisas de mo devolver depois deste jogo. Ofereço-to.

– Hoje sou belga e depois de hoje serei para sempre belga.

– Que exagero! Quando Portugal jogar contra a Bélgica nem vais hesitar. Vais apoiar claramente o teu país.

– Olha que não sei...

Inclinou-se. Piscou-me o olho e eu corei. Há muito tempo que não corava assim, daquela maneira tão abrupta, escandalosa e que denunciava os meus sentimentos.

– Um dia não vou estar na baliza belga. Estou no fim da minha carreira, ma petite. Trinta e dois anos e já não sou jovem para estas andanças. Não me quero arrastar dentro de um relvado, implorar por um lugar num clube, já determinei que quero terminar cedo esta aventura de futebolista. Continuarás a ser belga sem mim?

A verdade doeu-me.

– Eu... não... serei sempre...

Beijou-me os lábios.

– Hoje ainda jogo. Não penses nisso. Até já.

Entrou no estádio.

Fiz como me mandou. Sacudi os ombros e deixei de pensar no que me dissera.

Daquela vez não escolhi as passagens comunicantes para alcançar os corredores que levavam às bancadas. Contornei o recinto e fui à procura da porta certa que me levaria ao lugar que o bilhete indicava.

Sentei-me entre apoiantes belgas. Naquele dia não tinha quaisquer dúvidas de quem iria apoiar. Circunvaguei o olhar pelas bancadas. Estavam muito vazias. Depois de ter estado no Azteca 2000, o Cuauhtémoc parecia-me minúsculo. O jogo iria ter público, mas nada de tão avassalador como a meia-final e como muito provavelmente a final.

Estava muito calor e o Sol picava na pele. Era um suplício haver jogos ao meio-dia, dava toda a razão àqueles que protestavam contra este horário completamente absurdo.

As equipas entraram em campo para o aquecimento e o meu coração instantaneamente desatou aos saltos. Vê-los no relvado a chutar bolas e a correr emocionou-me.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now