19 de Junho de 1986 (Quinta-Feira)

149 10 52
                                    


Foi só de manhã que me apercebi que podia nunca mais ver Diego Maradona e que o nosso encontro no terraço tinha sido uma espécie de despedida para sempre. O Jacques tinha comentado que era difícil vê-lo fora de um campo de futebol, então era impossível voltar a cruzar-me com Diego se ele não me procurasse. Fiquei muito triste, ao ponto de perder o ânimo e só me apetecer ficar estendida na cama e não sair dali, durante o dia inteiro, a relembrar a minha conversa com o argentino.

Tínhamos falado de guerra e de futebol, tínhamos falado na nossa pequena desavença. Perdoei-o, era verdade que esqueci a zanga, gostei de estar com ele. Depois não tive inteligência para falar mais alguma coisa e perdi a oportunidade. Por isso, sentia-me mal.

Jean-Marie veio ter ao meu quarto. Admirou-se com a minha apatia. Perguntou-me o que tinha, estranhou o meu estado de espírito quando no jantar da noite anterior estava animada e a alinhar nas brincadeiras. Falei-lhe de Diego e do meu medo de não o voltar a ver. Um drama, no meu conceito e disse isso compungida, num tom trágico.

Estávamos os dois sentados na cama. Ele pousou a mão no meu joelho.

Ma petite, vai correr tudo bem. O jogo da Argentina vai ser muito complicado, um dos mais difíceis dos quartos. Mas se o Maradona quer chegar ao título de melhor jogador do mundo vai ter de jogar para isso. E se ele jogar ao seu melhor nível, ma petite, a Argentina elimina a Inglaterra.

– Pode ser... mas não tenho maneira de o contactar. Só tenho o número de telefone de Puebla e ele foi para a capital...

– Tina, faz a tua magia. A Bélgica ganha à Espanha e nós também vamos para a capital. Depois eu consigo-te os contactos do Maradona e podes voltar a falar com ele.

– A sério? – Espevitei-me. – Se ganharem vamos... vão para a capital?

– Sim! Iremos todos para a capital.

– Ah que bom!! – exclamei feliz. Soterrei a minha alegria debaixo de uma dúvida. – Magia? Que magia queres que eu faça, Jean-Marie?

– Agora quero que venhas tomar o pequeno-almoço e esquecer essa tristeza. Maradona vai dar conta da Inglaterra. Não te preocupes com a magia, irás fazê-la na altura certa. E tu, melhor do que ninguém, saberás qual é a altura certa.

– De certeza?

– Certeza absoluta. Anda lá. Quero ver um sorriso.

Depois de beber uma generosa chávena de café, fui para o átrio esperar os jogadores para acompanhá-los no treino. Enzo veio ter comigo, a pedido do guarda-redes, para que eu não me perdesse. Protegia-me, sei que Jean-Marie continuava a proteger-me e a tentar incluir-me no grupo, mesmo depois de Guy Thys ter acreditado que eu era a prima do massagista.

Havia alguma tensão entre os chefes naquela manhã. O selecionador estava aos gritos e eu perguntei a Enzo o que se passava. O rapaz tentou tranquilizar-me. Era normal, de vez em quando, haver gritaria. Muitos problemas ficavam resolvidos com alguns berros. Não parecia civilizado, mas era eficaz. Contou-me:

– A Espanha chegou ontem a Puebla para jogar connosco no domingo e reservou o estádio para treinos de adaptação para os dias vinte e vinte e um. Ou seja, interferiu nos planos da nossa federação que contava ter o estádio também para nós num desses dias. A organização mexicana está a meter água, disse à nossa federação que podíamos ficar com o dia de hoje e o Thys não se conforma. Exige acesso ao estádio na véspera do jogo.

– Esses treinos... de adaptação... são importantes?

– Muito importantes. Precisamos de nos adaptar à relva, ao tamanho do campo, ao calor da hora. Temos sorte por jogarmos novamente às quatro da tarde. Jogar ao meio-dia é demasiado penoso. Esta treta das transmissões televisivas levou a decisões bastante arbitrárias e erradas... os jogadores que se lixem. O dinheiro é que interessa. Este mundial está cheio de problemas. Uma merda.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now