15 de Junho de 1986 (Domingo)

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Após vários safanões, acordei. Ainda meio a dormir, as pestanas coladas das ramelas, descobri na minha frente a cara aumentada e zangada da minha tia.

– Acorda! Tens de acordar ou vais perder o autocarro para León.

Agarrei atrapalhada nos óculos, coloquei-os tortos sobre o nariz – sim, tenho miopia e sou cega como uma toupeira – puxei o relógio de pulso que tinha pousado na mesa-de-cabeceira e conferi as horas. Faltavam dez minutos para as seis da manhã.

– A que horas... é o autocarro? – perguntei com a voz rouca.

– É às sete horas, mas vais apanhá-lo no terminal que ainda fica longe do bairro. Fica na cidade, menina. Estamos numa metrópole, numa cidade gigantesca. As distâncias são maiores. Chamei um táxi para te apanhar que vai parar à porta do prédio às seis.

– Ah! Tenho dez minutos para me despachar!

Saltei da cama. Tomei um duche rápido com a água um pouco fria, mas não me fez impressão pois estava calor. Vesti-me à pressa, enfiando umas calças de ganga novas, que tinha comprado de propósito para a viagem, e uma t-shirt, calcei umas sapatilhas confortáveis. Penteei o cabelo, atando-o num rabo-de-cavalo. Enfiei o caderno e a caneta na mala, a minha carteira com pesos suficientes para cinco dias, achava eu, conferi que levava o passaporte, uma pequena agenda onde tinha apontado números de telefone importantes, incluindo os contactos dos consulados e embaixada de Portugal, uma escova e pronto, estava despachada. Bebi um café e comi metade de uma torrada. Despedi-me da minha tia com um beijo. Ela disse que me divertisse e desejou-me bom jogo. Eu devolvi, desejando-lhe bom trabalho.

Entrei no táxi passavam cinco minutos das seis, mas o motorista era muito simpático e não me disse nada. Levou a tagarelar pelos quarenta e cinco minutos de caminho até ao terminal de autocarros. Falou principalmente do mundial. Eu não tinha muita conversa para lhe dar o troco, não tinha acompanhado os jogos, apenas os de Portugal. O homem estava eufórico porque o México iria jogar ao meio-dia, contra a Bulgária. Aquele era um dia de festa.

Apanhei o autocarro para León e a viagem demorou mais de quatro horas, com uma paragem ao fim de duas horas numa estação de serviço onde pude comer um bolo e beber água, pois estava cheia de fome e de sede. Gostei da viagem e não me pareceu nada cansativa. Os passageiros eram todos amigáveis, alguns adeptos de futebol e ninguém se meteu comigo.

Estava num país diferente, queria ver tudo o que pudesse ser visto e apreciei o que foi passando pela janela. Primeiro, a Cidade do México era enorme e levámos ainda uma hora até sair da capital. Consegui ver algumas marcas do terrível sismo de setembro de 1985. Depois foi um caminho por meio de localidades e de campos abertos cultivados, sempre com muito tráfego na estrada de quatro pistas, uma autoestrada. Nunca tinha andado numa estrada semelhante e até isso foi uma novidade agradável.

Cheguei a León perto das duas da tarde e ia novamente cheia de fome. A cidade, tal como a capital, também estava em festa, colorida de vermelho por todo o lado. O jogo que eu iria ver seria um União Soviética contra a Bélgica, equipas que trajavam ambas de vermelho nos seus equipamentos habituais. Comi num carrinho ambulante que fazia tacos e enchiladas. Escolhi frango e nada de picante, implorei. Acompanhei tudo com nachos e mais água. O calor era abrasador. Descobri uma pequena loja onde comprei outra garrafa de água para levar para o estádio.

Parecia que estava descontraída a quem me visse, mas a verdade era que estava um pouco amedrontada. A minha sorte era que a cidade estava cheia de estrangeiros, adeptos russos, belgas e pessoas de outros países, e convenci-me, para não ter tanto medo, que éramos todos forasteiros e que nunca tínhamos ali estado. Se eu seguisse os grupos, iria correr tudo bem. Mantive-me nas praças públicas onde via gente para não ficar desacompanhada e segui as indicações que apontavam o caminho do estádio. Não precisava de ver mais nada na cidade.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now