23 de Junho de 1986 (Segunda-Feira)

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O toque de alvorada estava marcado para as nove. Acordei aflita porque passavam dez minutos dessa hora. Fiz a minha mochila, tomei banho, vesti uma blusa e uns calções, calcei as minhas sapatilhas. A seleção belga iria sair de Puebla naquela manhã e assentaria a sua base na capital para preparar o jogo das meias-finais. Eu regressava, finalmente, à Cidade do México. Uma semana depois. Que grande boleia tinha recebido desde León!

Enquanto me despachava tinha a televisão ligada e procurava ansiosamente por imagens dos jogos do dia anterior, em especial o infame Argentina, Inglaterra para ver os golos de Diego. Não encontrei nenhum programa desportivo e lamentei-me, frustrada e zangada.

Tomei o pequeno-almoço só com Enzo e Nico na mesa. Os outros jogadores já tinham comido e tratavam, nos respetivos quartos, da sua bagagem. Eles estavam com um aspeto péssimo e de muito mau-humor. Não puxei conversa, porque não queria arriscar-me a levar uma resposta torta.

A ressaca atacava metade da comitiva. Olhos pisados, movimentos indolentes, muitos bocejos e resmungos. A festa teria decorrido até altas horas da madrugada, mas a obrigação chamava e era preciso libertar o hotel naquela manhã. À tarde estava agendado um primeiro treino da equipa. O jogo das meias-finais ia acontecer já na quarta e era preciso recuperar e preparar o físico.

Jean-Marie chegou com Jan Ceulemans e debatiam de forma acesa. Escutei o nome de Maradona pelo meio e resolvi saber do que se tratava, ignorando a regra da boa educação de que não nos devemos meter na conversa dos outros.

– O que tanto falam sobre Diego Maradona? – perguntei.

Bonjour, ma petite. – Jean-Marie deu-me um beijo nos cabelos. Sorriu-me. – Diego Maradona? O teu Diego fez das suas ontem, no jogo.

– Fez o quê? A última informação que tenho é de que marcou um golo fantástico. Não consegui ainda ver as imagens do jogo de ontem. – Bati o pé no chão, como uma criança mimada. – Que raiva!!

– Calma, ma petite! Calma. Verás essas imagens, mais cedo ou mais tarde. Sim, Maradona marcou um golo excecional, mas antes marcou um golo com a mão...

– Isso não vale! – espantei-me.

– Pois não vale. Mas valeu porque o árbitro não anulou o golo. O homem não se deve ter apercebido da falta, nem sequer o fiscal-de-linha. Incrível! Maradona, no seu melhor estilo, disse na conferência de imprensa que tinha sido a sua cabeça e a mão de Deus! É preciso ter muito descaramento, não haja dúvida. Um golo marcado com a mão de Deus. Francamente.

– E os ingleses?

– Bem, os ingleses estão furiosos como deves calcular – acrescentou Jan. – Mas não se pode fazer nada agora. Resultado final, ganhou a Argentina por dois a um. Fim de discussão.

– Concordo. Fim de discussão – aceitei com algum pedantismo. Fiquei ainda mais curiosa em relação a esses famosos golos argentinos, pelos pés, e pelos vistos também pela mão, de Diego que tanto falatório causavam.

Subi para o autocarro com Jean-Marie e sentámo-nos nos últimos lugares. Fiquei à janela. Ele sacava do seu walkman para ouvir música durante a viagem que seria mais ou menos duas horas. Iríamos chegar a uma hora decente ao novo hotel, o almoço já iria acontecer aí. Depois do treino ligeiro da tarde, seguir-se-iam sessões de ginásio e massagens.

Pus-me a pensar se não deveria voltar ao apartamento onde estava alojada com a minha tia, deixar um bilhete manuscrito para que ela não se preocupasse com o meu paradeiro. Verdade fosse dita, nunca mais me tinha preocupado em tentar falar com ela. Os meus dias tinham sido completos e mal tivera tempo para pensar noutras questões que não fossem o futebol ou o mundial. Também me sentia segura e estava a ser bem acolhida.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now