04 - Culpa

2.7K 239 440
                                    


Antes de entrar para, finalmente, fazer a cirurgia que tanto precisava, dona Francisca disse a frase que iria ficar gravada para sempre na mente da mineira: nunca deixe de espalhar a sua luz.

Rafaella ficou no quarto, aguardando. Sua ideia era que Luiza fosse para casa junto com Roberta, que ficaria com ela até dona Francisca se recuperar totalmente. No entanto, a menina estava irredutível. Não sairia do hospital sem sua avó.

Então lá estava ela, de manhã cedo, sentada no sofá do quarto do hospital, com uma criança de seis anos adormecida em seus braços. A pequena esperou a avó ser levada pela equipe médica para liberar o choro. E foi assim que ela foi parar nos braços da mineira.

Luiza chorou no colo de Rafaella até pegar no sono. A atriz não tinha o que fazer, apenas sussurrou palavras de conforto e segurança no ouvido dela, enquanto fazia carinho nas costas. Demorou um pouco, mas funcionou. Sentada no sofá desconfortável, acabou adormecendo também.

T: Rafa... - Ouviu a amiga chamar baixinho. - Acorda, amiga.

R: Oi, Thelminha. - Sentia o peso em seu tórax e a respiração leve e infantil contra seu pescoço. Luiza ainda dormia em um sono profundo. - É notícia boa? Porque eu só vou acordar ela se a notícia for boa.

T: Deu tudo certo! - Contou, com um sorriso no rosto. A cena que estava vendo era linda e, antes de chamar a amiga, havia tirado uma foto que enviaria para ela depois. - Ela já tá na recuperação. Mais tarde vem pro quarto.

R: Sem complicação nenhuma? - Com o maior cuidado do mundo, se ajeitou no sofá. A criança se moveu um pouco e Rafaella ficou estática até que ela voltasse a ficar quieta.

T: A Ma vai passar aqui pra explicar tudo direitinho, mas ela tá bem, Rafa. - Sentou na outra ponta do sofá. - A pequena vai ficar aliviada.

R: Sim... A bichinha é tão forte, Thelminha. Cê precisa ver... - Sua voz foi morrendo, enquanto os olhos acompanhavam o dedo indicador que acariciava o rosto dela.

T: Então deixa ela descansar. Quando a dona Francisca vier pro quarto, você acorda ela. - Aconselhou a mineira. - E aproveita pra descansar também. Já vi que seus dias vão ser puxados.

R: Ai amiga... Eu me envolvi demais. - Fechou os olhos e suspirou.

T: Eu sei. - Ofereceu um sorriso complacente. - Mas por agora, foca na notícia boa. Depois a gente toma um café ou um vinho no tapete e você desabafa.

R: Obrigada. Você é maravilhosa.

Seguindo o conselho da amiga, a atriz deitou encolhida no sofá de dois lugares. Puxou o corpo de Luiza para acomodá-la bem junto de si, pegou seu casaco de tricô e conseguiu cobrir o tronco das duas.

Não conseguiu voltar a dormir, mas também não conseguia se separar da criança. Fechou os olhos e sentiu o cheiro infantil tomar conta de seus sentidos. E lá estava, mais uma vez, aquele sentimento indesejado. Suspirou e orou baixinho, pedindo ajuda a Deus. O bolo em sua garganta já estava formado e tentava ao máximo dissipá-lo.

Já estava mal e, mesmo que conseguisse enganar seu cérebro por um tempo, sabia o que iria acontecer a seguir. Então, resolveu aproveitar aquele momento, em que estava tudo bem e ela tinha Luiza em seus braços. Deixou a mente vagar por todos os planos que seu inconsciente já havia feito para a criança. As viagens, as brincadeiras, ensinando a tarefa de casa, as apresentações no colégio, os aniversários. Todos os presentes que queria comprar, o quartinho que faria exatamente do jeitinho que ela escolhesse. Sim, iria mimá-la bastante.

Só saiu do seu mundo de fantasia quando sentiu os dedinhos pequenos da criança secando suas lágrimas. Abriu os olhos e viu que ela a encarava, um pouco assustada. Imediatamente, Rafa percebeu que seu choro poderia passar uma mensagem errada para ela. Respirou fundo e secou as lágrimas, deixando um beijo na testa da menina.

DevagarinhoWhere stories live. Discover now