01 | Queimar no fogo do inferno.

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Comecemos pelo início.
O grande problema é que, talvez, não haja um início. Foi quando Lee MinHo aceitou a falsa amizade de Han Jisung? Ou quando ele foi morto pelo demônio de bochechas gorduchas e cabelos loiros? Talvez tenha sido quando Han foi vítima de brincadeiras maléficas, e acabou morrendo no porão de sua casa com três disparos de arma em sua cabeça. Ou quando Lee MinHo e Yang Jeongin tiveram suas materialidades possuídas pelo demônio que a casa assombrada abrigava, e, consequentemente, tiveram suas almas roubadas de si da forma mais cruel.
A verdade é que, em meio a tantas histórias, memórias e teorias, não há como ter um único início. Primeiramente, início de quê? Essa era a dúvida que ocupava a mente de Hwang Hyunjin de uma forma que o impossibilitava a fazer qualquer outra coisa além de pensar em tudo o que ocorreu.
Para ele, tudo começou quando enxergou, parcialmente, o corpo de dois seres estirados na neve. MinHo era ensanguentado, tinha os olhos tomados pela escuridão e marcas pelo corpo. A desnutrição era visível, assim como o cansaço de quem batalhou para se livrar da maldade.
Jeongin, por sua vez, era dono de pele albina e orbes mortas. Seu corpo encharcado denunciava a sua morte — esta que foi dada como suicídio. Na autópsia, perceberam que o garoto de aparelho nos dentes havia ingerido variadas pílulas de remédios, e, provavelmente, encaminhou-se à banheira, onde escorregou aos braços da morte.
Essas eram as teorias da sua passagem para o outro lado, e Hwang sabia que aquilo estava errado. Mas ele não argumentou. Não valia a pena. Ninguém o daria tamanha atenção. De qualquer forma, haviam vários começos.

No quarto, ele encarava a enorme janela coberta por pingos de água pluvial enquanto o céu cinzento simpatizava com alguns trovões barulhentos, estes que assustavam Kkami vez ou outra, fazendo-o chorar ao tentar cobrir as orelhas com as patas naniquinhas. Apesar disso, nem sempre os trovões eram barulhentos. Alguns apenas traziam uma claridade anormal para a cidade, mesmo que o relógio ainda não marcasse as seis horas da tarde. E foi num desses que Hwang suspirou, saindo de sua cama para juntar-se ao cão no tapete felpudo que cobria o gélido piso. Ali ele o acarinhou a fim de acalmar o coração inquieto, mas não soube se este tal coração inquieto era o seu ou do animal de estimação.

— Vai ficar tudo bem, filho... Vai ficar tudo bem.

Ele assegurou ao agarrar o pequenino nos braços, trabalhando com os dedos em seus pelos de cores distintas, sendo elas preto e branco. Seu focinho pequeno, de alguma forma, combinava com seus olhos gigantes em estilo jabuticaba, e apenas o deixava mais fofo. Mas logo chegou o momento de afastar-se da proteção que o dono o proporcionava, e o animal notou aquilo ao sentir as patas em contato com a pelúcia do chão novamente. Hyunjin, noutro lado, apenas fixou a atenção naquele objeto branco e fofo que os protegia do impiedoso frio, e visitou algumas memórias da última vez que esteve ali com os outros dois amigos; Lee Felix e Yang Jeongin. Jeongin era seu namorado, ou ex. Ele não sabia, e nem se importava em saber. Pensar sobre aquilo apenas o entregava dores de cabeça por desatar nós em lágrimas. Ele poderia ligar para Felix e fazê-lo sentar ali, naquele tapete e na mesma posição que lembrava, mas não seria a mesma coisa. Não haveria dois meninos mais novos brigando, mas depois perdoando-se como irmãos. Felix não estaria com a mesma doçura de antes. Óbvio, ele ainda continuava sendo simpático e engraçado de seu jeitinho, mas não era o mesmo. E ele ainda cobrava ao Hwang os cento e cinquenta reais que o garoto por tanto o prometera visto que, por tanto tempo, ambos apagaram da memória o tal acordo.
Hyunjin também não era o mesmo, e muitas vezes pegava-se encarando o nada ao lembrar tudo, ou então ele vivia a tragédia, para si, inexistente da morte de seu namorado e seu amigo, MinHo.
Daquela vez, seus fios de cabelo não eram escuros, mas loiros e longos, na altura de seu pescoço, diferente de 2019. E, por dois anos, Hyunjin não parou de pensar em tudo o que aconteceu. Era como um filme. Agora, em 2021, ele ainda não deixara de visitar cada momento dentro daquela casa macabra. A casa cujo assoalho rangia abaixo de seus pés desnudos ao mínimo passo em busca da fuga de demônios. E ele ainda era capaz de sentir aquilo. Era capaz de sentir, de forma fantasiosa, a madeira abaixo de seus pés; a fome que o esbofeteava o estômago; o fedor que se instalava devido a falta de banhos corretos; as dores de cabeça por culpa da escassez de comida, ou pelo constante choro. E ele era capaz de sentir, todos os dias, a culpa que se instalou no peito e na mente no momento que soube que haviam dois corpos estirados na neve, mortos. A tristeza de ouvir os pedidos de ajuda de SunHee, a mãe de MinHo; e os cochichos de uma multidão que pouco se importava com o sentimentos alheios ao erguer as câmeras para gravar aquela tragédia. Ele se culpava porquê a ideia de ir até o local foi dele. Nem Felix, muito menos Jeongin, mereciam aquilo.

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