Capítulo 21

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Viviane: Eu não sabia de nada, eu tinha medo. Eu queria ser alguém sem precisar encarar a vida, eu nunca soube o certo como é a vida sofrida, a vida real como as pessoas falam. Eu sempre sofri por não ter família, me sentia sozinha, me sinto, mas logo passa, porque como eu vou sentir falta de pessoas que eu nunca vi, nunca conheci, nunca senti. Eu sinto falta de uma família, acho que família é ter princípios, são coisas principais na vida de uma pessoa, mas infelizmente eu não tive, e eu não posso fazer nada. 

Pará: Sim, uma pai, uma mãe é importante.

Viviane: Então eu fiz o que eu achava certo pra sobreviver em um mundo em que eu não conhecia. Eu estudava num colégio do lado do orfanato, só saia pra escola e passeios em grupo, mais nada. Um único namoradinho que eu tive foi no abrigo, eu tinha quinze anos, e também nunca mais vi.

Pará: É foda! Tem coisas que são difíceis.

Viviane: Sim.

Pará: Meus pais vieram pra cá eu tinha meses, meu pai era paulista, mas foi morar na Paraíba criança também, minha mãe já era de lá. E cara, eu tive uns ensinamentos difíceis, ignorantes mesmo, meu pai era muito ignorante, analfabeto, era pedreiro, trabalhava por aqui pelo morro e eu ajudava ele. Eu queria poder ter tido um estudo, mas pra ele eu tinha que trabalhar, ser homem, ser homem naquela época não era ter estudo, era ser trabalhador.

Pará: E o engraçado é que eu sempre estudava escondido, eu gostava de matemática, português, eu tinha facilidade pra aprender, mas não pude. Ai meu pai faleceu eu tinha uns dezessete anos, por ai, dai minha mãe falou que eu tinha que assumir a casa, eu era o homem da casa naquele momento. Tive que criar a minha irmã praticamente, sustentar a casa e eu fui perdendo as forças.

Viviane: Nossa...

Pará: Eu tentava estudar, pedia paz, tentava ir trabalhar e a favela sempre pegando fogo pela manhã. E naquela época ninguém tinha voz aqui não, não como hoje. Tu falava um ai como falam hoje na tv, eles vinham na tua porta te buscar, não tinha tráfico que segurasse nada, eles te torturavam na frente de quem fosse, e matava mesmo.

Viviane: E nisso você foi se envolvendo.

Pará: Falei, cara quer saber de uma parada ? Eu vou acabar com essa porra, me alistei no exército, aprendi a mexer com todas as armas que eu podia, sobrei, e pedi pra entrar na boca. Montei uma estratégia minha, pedi permissão pros donos, e botei muito caveirão nessa favela pra voltar de ré, falei: De hoje em diante aqui quem manda somos nós, aqui é o complexo da penha, ninguém sobe, ninguém sai! Acabei com a palhaçada deles subir pra esculachar atoa, era época braba. Não como é essa bagunça hoje ai não.

Pará: Eles começaram a falar, esse Paraíba é maluco, ele bota a cara mesmo e daí surgiu o apelido de Pará. Quando o dono me chamou pra virar segurança dele foi algo a mais, comecei a dar levante pra minha família, minha mãe me expulsou de casa, depois de anos ela me aceitou de volta, ajudei minha família e comecei a matar, qualquer pessoa que vacilasse na família do tráfico eu matava, dai surgiu a porra do apelido de matuto. Ai minha vida foi um bagulho doido, fui preso, sai, depois fui preso de novo e agora tô aqui.

Viviane: E ai ? Vai continuar nessa vida por mais quanto tempo ?

Pará: Pela quantidade de tempo preso, indo e voltando, esqueceram de mim, entraram outras pessoas, mas todo mundo me conhece, quer estar por perto e isso me vincula muito, mesmo sem eu estar presente, atuando nisso. Os meus chefes da antiga todos eles morreram na cadeia, o único que sabe de tantas coisas, presenciei coisas do caralho, e eu não vou me entregar nunca e nem pessoas que já se foram.

Viviane: Pelo menos você largou isso.

Pará: Po, graças a Deus. Breve eu quero sair daqui, vou vender minha casa, vou ir pra outro lugar distante, melhor. Sou grato, me arrependo de muita coisa, mas só de eu ter sobrevivido, é um milagre, e eu sou muito grato por isso.

Viviane: Que bom, fico feliz por você pensar assim.

Pará: Tô ficando velho, Vivi! Ta chegando os quarenta, pra pular pro cinquenta é rápido demais. Ta na hora das coisas mudarem, e aqui eu não vou arrumar nada, só vou viver nesse ciclo vicioso, com dinheiro sujo, desgraça, e tudo que vem fácil, vai rápido que a gente nem sente. O tanto de dinheiro que advogado levou meu não tá escrito, ganhei o dobro, perdi o triplo.

Viviane: Mas te serviu pra algo, te ensinou, e se foi dessa forma é porque tinha que ser, aconteceu, agora depende de você mudar muita coisa.

Pará: Isso ai!

Viviane: É bom a gente almejar coisas boas, um futuro melhor, colher fruto de coisas boas, querer ser melhor.

Pará: Mas vamos fazer isso.

Viviane: Vai dar tudo certo! 

Pará: Acho maneiro isso, você sendo nova, por um erro, te fez querer mudar, seguir um rumo diferente. Queria ter tido esse pensamento.

Viviane: Se eu não tentar, eu nunca vou saber! E eu preciso viver, me arriscar, eu não conheço nada, não conheço o mundo. Mas no fim, a gente sabe que é preciso a gente colocar a cara a tapa no mundo.

[...]

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