Capítulo 1

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— Mas, pai, eu já tenho dezoito anos, não é justo!  — Cruzei meus braços com a cara fechada. Eu estava muito velha para pirraças, sei disso. Mas também para ter uma porcaria de babá, por isso, estava tentando convencer o meu pai a me deixar viajar sozinha, sem aquela chata.

A senhora de uns setenta e poucos anos, tecnicamente, era a minha "assistente pessoal", mas eu sabia muito bem que os meus pais a chamavam assim para eu não me sentir ridícula por ter uma babá aos 18 anos. Pois, se essa era a intenção deles, falharam miseravelmente.

Louise, com o seu sotaque francês carregado, era um amor de pessoa, o que me deixava mais irritada ainda. Eu odiava ser mimada só por ser a droga da princesa do reino de Âmbar. Sei lá, era como ser premiada pelo simples fato de existir, ou por respirar... Eu queria ser reconhecida por minha essência, pelo meu "eu" verdadeiro, e esse foi um dos motivos desejar tanto aquela viagem de presente de aniversário: ir para um lugar longe o suficiente, onde as pessoas não fizessem ideia da minha descendência real e essa baboseira toda. Assim, eu seria tratada de uma maneira justa e de igualdade, sem precisar ficar cercada de um bando de gente interesseira.

— Podemos cancelar a viagem, se você preferir. — Papai ergueu uma sobrancelha e me lançou um olhar irredutível.

Eu sabia que havia perdido. O meu pai era firme em suas decisões, "como um bom rei deve ser" — palavras dele. Já havia sido uma enorme batalha conseguir ter o meu próprio celular pessoal, então, seria melhor aceitar suas condições do que perder a chance de conhecer a vida além daquele castelo.

— Tudo bem, contanto que ela vá dentro da mala. — Pisquei.

Saí depressa dos aposentos do papai, antes que ele mudasse de ideia. Já fora um milagre ele ter me recebido, quem dirá ter permitido a viagem, mas eu não pude controlar a minha insatisfação por ter que levar a minha babá junto, porque os meus pais simplesmente não confiavam em mim, mesmo eu sendo disciplinada, mesmo assistindo todas aquelas aulas — francês, espanhol, inglês, violino, tricô, primeiros socorros, autodefesa, etiqueta, oratória, além de estar sendo obrigada a me matricular no curso de direito da Universidade de Âmbar —, nenhum dos meus esforços eram levados em conta, e eu era tratada como um bebê.

Não sou branca como a neve — tenho a pele negra —, não tenho os cabelos compridos para jogá-los da torre do castelo — e me orgulho do meu Black Power —, eu não dormi por mil anos até ser beijada (sem consentimento) por um completo desconhecido — ainda bem! — eu não tinha uma madrasta má — e nem era órfã. Nada disso. Ser princesa não é nada "Disney", vai por mim!

Aliás, eu detesto a Disney, tanto quanto detesto ser uma princesa. Os meus pais queriam que eu viajasse para o Walt Disney World, na Flórida, mas eu repudiei a ideia com todas as minhas forças. Pior do que ser princesa seria ver um monte de criancinhas sonhando em ser uma, sem fazerem ideia do quão detestável é a vida na realeza.

Quando ganhei meu smartphone, os meus pais me deixaram acessar a internet sem supervisão, isso depois de eu implorar por semanas a fio. E foi aí que conheci diversos lugares incríveis: A floresta amazônica, o Egito, o Central Park, as Ilhas Maldivas, O Coliseu, as ruínas de Roma, Fernando de Noronha, Copacabana... eram lugares tão maravilhosos que eu não sabia qual escolher, então, com medo de desperdiçar essa oportunidade única, decidi tirar na sorte: peguei o globo terrestre que enfeitava a minha escrivaninha e o girei, pousando o meu dedo em um lugar aleatório. E esse lugar era no meio do oceano.

Pensei que teria que girar o globo outra vez, mas notei que o meu dedo tinha pousado próximo a uma ilha na América Central: "'Porto Rico', esse lugar eu não vi na internet", sussurrei para mim mesma. Para ser sincera, o meu estômago se embrulhou quando me imaginei trancafiada em uma ilha, já que esse era o meu estado naquele reino — Âmbar é uma ilha tão remota que nem consta no mapa mundi —, mas ao fazer uma busca detalhada no Google fiquei encantada com o lugar: casinhas coloridas por toda a parte, cercadas por um mar azul vívido e cristalino e montanhas verdejantes. Em alguns aspectos, Porto Rico se assemelhava muito com o reino de Âmbar — praias extensas, ruas de pedras, casas em estilo colonial —, mas, mesmo pelas fotos, dava para perceber que aquela ilha caribenha tinha muito mais vida e alegria do que o único lugar na terra que eu conhecia.

Não Muito PrincesaWhere stories live. Discover now