Capitulo 1

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Hoje o dia está calmo, pacifico, se me concentrar o suficiente consigo ouvir vestígios de pássaros, oque é um feito e tanto, nos dias atuais ate as criaturas mais ingênuas não ousam sair de seu abrigo. Às vezes minha bisavó, nos seus momentos lúcidos, compartilha lembranças de tempos felizes, onde pessoas andavam tranquilamente pelas ruas, confraternizavam em lugares públicos, as vezes me esqueço que houveram tempos antes desse que vivemos, tempos de amor e liberdade, mas isso passou.
O caos começou quando houve o conflito entre o até então presidente dos Estados Unidos: Benjamin Ryan e o ditador da Coréia do Norte Dong Yun, a briga pelo poder se arrastou ate que ambos os países declararam guerra, os dois países fizeram seus aliados, os Estados Unidos conseguiu o apoio das Américas, de ponta a ponta, enquanto a Coréia fez da Rússia, sua maior aliada, usaram todo seu arsenal e destroçaram todas as nações, inclusive as próprias. Oitenta e cinco por cento da população mundial foi exterminada, crianças, adultos, idosos, ninguém escapou. Destroçados, os países que antes eram aliados, se juntaram, formando duas novas
nações em cada lado do mundo, Seraphin e Liryo. Com a destruição generalizada, foi
encerrada, sem nenhum lado vencedor, a terceira guerra mundial.


- Pandora, se não for muito incomodo, gostaria de ajuda com nosso almoço, que tal? – disse minha mãe de forma irônica, interrompendo meus devaneios.

- Desculpe, hoje o dia está bonito – respondi, seguindo ela para nossa pequena cozinha.

- O dia de hoje está como todos outros – retrucou ela, encerrando o assunto, me viro para ela tentando decidir se insistiria no assunto ou não, ali, encostada na simplória pia, consigo ver claramente sua total exaustão, creio que em algum momento ela foi muito bonita, mas hoje tudo que consigo ver são rugas que apareceram precocemente em seu rosto, vejo preocupação nelas, tensão em seus pequenos ombros, fios grisalhos fazem uma coroa branca por praticamente todo seu cabelo.

- Preciso que corte as batatas e tempere para o refogado – disse ela com rispidez, me
entregando as batatas, minha mãe nunca foi uma pessoa doce, mas hoje em especial ela estava com uma dose extra de hostilidade.

- Tudo bem, mãe? – pergunto com certa insegurança.

- Faça o corte mais fino, - disse ela repreendendo-me, depois continuou, - as coisas estão meio estranhas, tem boatos andando pela cidade, se for verdade – ela parou, respirando fundo – se for verdade, teremos problemas.
Preparo-me para perguntar oque ela quer dizer quando meus irmãos fazem sua barulhenta e desajeitada entrada, Aimee e Austen são gêmeos, mamãe os teve cinco anos depois que nasci, e desde sempre os dois andam grudados, as vezes brincando, as vezes brigando, as vezes os dois.

- Onde está o pai de vocês? – pergunta minha mãe enquanto separa os pedaços de carne

- Ficou conversando com o senhor Laurent, a filha dele está indo embora – responde Austen, enquanto pegava um copo de água,
- Madeline esta indo embora? Para onde? – pergunto, sem conseguir entender, Madeline estava com casamento marcado a um mês com algum primo distante, não entendi direito a historia, e nem sei se quero, particularmente achei essa ideia repulsiva.

- Vão se limpar para o jantar e depois ajudem a vovó a descer – disse minha mãe, cortando qualquer resposta que eu poderia receber.

- Sim mãe – responderam em coro, antes de sair, Aimee me lança um olhar de cumplicidade, ela iria me contar depois oque sabia.

Continuamos a cozinhar em silencio, após longos minutos escuto a porta da frente ser aberta, era meu pai, entrou na cozinha e me cumprimentou com um aceno de cabeça, sorri para ele, sempre achei incrível a capacidade do meu pai de alegrar qualquer ambiente, observo com admiração ele amolecer o olhar da minha mãe com um abraço, ela pode ter seus defeitos, mas era claro que ela o amava plenamente.

- Você esta adorável hoje, senhorita Amelia – disse meu pai, curvando-se e com isso,
arrancando um sorriso dela.
- Bill, preciso cozinhar isto se quiser comer hoje – disse ela, e involuntariamente, lança um olhar preocupado em minha direção, um segundo depois, estavam os dois me fitando.
- Eu juro que não estava olhando – falo logo, um pouco constrangida.
- Tudo bem filha, vou deixar vocês terminarem, eu coloco a mesa. – percebo preocupação mal disfarçada em seu olhar enquanto ele se retira sem acrescentar mais nada.

Vinte minutos depois estamos todos sentados a mesa fazendo uma oração, não somos muito religiosos, mas minha bisa gosta de manter essa tradição, em respeito a ela oramos todos os dias.

- Mãe, oque é isso no frango? – pergunta Aimee, brincando com a comida no garfo.
- Isso é orégano, um tempero, pode comer. – respondeu minha mãe, cortando o próprio pedaço de carne.

- Então, pai, por que Madaline foi embora? Ela não estava com casamento marcado? –
indaguei, enquanto levava uma garfada a boca.

Meus pais trocaram aquele mesmo olhar de preocupação, não entendo o porque de tanto rodeio, fiz uma pergunta simples.

- Então? O que está havendo? – pergunto já impaciente com todo esse suspense.

- Não sabemos o porquê de ela ter ido – responde meu pai, claramente mentindo.

- Caleb, talvez... – começa minha mãe, olhando pra ele.

- O que diabos está acontecendo aqui? – tudo isso está muito estranho, essa troca de olhares, meias palavras, não faço ideia do que se passa.

- Pandora, linguajar – gesticula meu pai, cansado, apontando pros meus irmãos.
Vejo minha mãe franzir o cenho antes de mandar Aimee e Austen terminarem a refeição no quarto. Observo vovó comer com veemência, ignorando todo o transtorno ao seu redor.

- Pandora, Madeline fugiu – disse meu pai, simplesmente. Supus que a razão fosse o
casamento forçado, oque faz sentido, pra mim, ninguém casaria com um sujeito daqueles a menos que fosse obrigada.

- Vocês passaram as ultimas horas fazendo um suspense sinistro por isso? Qual o sentido – disse com sarcasmo.

- Ela não fugiu pelas motivações que você esta pensando filha, isso vai... – minha mãe faz uma pausa, procurando as palavras – muito alem. Faço menção de falar, mas sou interrompida pelo olhar cortante do meu pai, "apenas ouça" dizia ele com os olhos.

- O país esta passando por conflitos, oque não é nenhuma novidade, mas há rumores que o governo voltará a fazer a coleta. – continuou minha mãe. A "coleta" o termo não me é estranho, talvez tenha lido em um livro, mas não me recordo muito bem.

- A ultima coleta foi feita quando sua avó era jovem – olho para minha visa automaticamente, e meu pai continua – a filha dela. Com as mortes em massa que os confrontos causaram a preocupação com a extinção de nossa população ficou eminente, o governo procurou soluções cabíveis e rápidas, não acertaram de primeira, até ter a primeira coleta.

Olho confusa para meus pais, eles claramente estão em conflito, qual motivo de tanta
preocupação? O que a coleta faz? Todas essas perguntas rodam em espiral na minha cabeça, e então, surge outro questionamento, que deveria ser inicial, o que eu tenho a ver com isso?

- Foram feitas duas coletas, e em uma dessas, sua avó foi levada, não sabiam que sua mãe tinha acabado de nascer, depois disso, ela nunca mais voltou. Minha atenção se volta para minha mãe, seu olhar triste me prova que não e invenção do meu pai.

- Eu ainda não entendi...

- A coleta tem como critério mulheres jovens, Pandora, não tem possibilidade de escapar, se ocorrer, eles te levarão.

- Me levarão para onde? Para que?

- A coleta tem como intuito a procriação, preservação de uma nação, as jovens são levadas para um lugar seguro, onde engravidam, para garantir o futuro do pais. – disse meu pai, sem rodeios.

Meu estomago começa a embrulhar, um laboratório de procriação? Um presídio para
procriação? O que isso tudo quer dizer?

- Pandora – diz minha mãe, com a voz suave – estamos lhes contando porque você não ia parar até descobrir, mas ate então é apenas um rumor, as coletas são avisadas nos noticiários locais, nada foi dito oficialmente, ainda não é hora de pânico.

- Mas se noticiarem? Eu não deveria fugir como Madeline? Se não e a hora de se apavorar, por que ela foi embora? – começo a cuspir as perguntas, incapaz de segurar por mais tempo.

- Vão achá-la e vão trazê-la de volta filha, não a como fugir deles. – respondeu meu pai.
- Deles? – susurro.

- Vamos Amelia, chega disso-meu pai fala, de repente, cansado, seu rosto envelheceu alguns anos no decorrer dessa conversa.

- Pandora, estamos preocupados porque somos seus pais, e nossa obrigação sentir
preocupação pelos filhos, mas não queremos que você entre em desespero, só achamos que você deveria saber, agora, enxugue os olhos e melhore o rosto, seus irmãos vão perceber. – sem mais nenhuma palavra, minha mãe se levanta, levando os pratos sujos consigo, segundos depois e a vez do meu pai se retirar, me deixando sozinha com meus pensamentos.

Levanto o rosto e vejo minha bisa me fitando, consigo perceber pena em seu olhar.
- Vovó, tudo bem? Precisa de ajuda?
- Sinto muito Melissa. – responde ela, para depois, começar a cantarolar Maybe This Time, com um sorriso no rosto, começo a cantar com ela enquanto a levo para o quarto. Chegando ao quarto coloco vovó na cama, olho para cabeceira e vejo o retrato da minha avó, Melissa, não julgo a bisa por confundir, nós temos o mesmo cabelo, maças do rosto e olhos. Saio do quarto ainda cantarolando essa antiga canção, gosto como as notas são combinadas, a letra me traz uma sensação de fé, mas nem ela consegue afastar todas as preocupações que surgiram na minha cabeça em quinze minutos, o que vai acontecer comigo?

Aquele OutonoWhere stories live. Discover now