IV

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Miguel não esperava das coisas serem as mesmas na segunda-feira. Como poderiam ser depois do que tinha acontecido? Quando chegou na escola, já esperava encontrar Pedro e Clara enrolados um no outro de alguma forma, o que tudo bem, ainda o faria sentir uma pontada de inveja, mas era só ignorar e tudo ia ficar bem.

Estava muito enganado.

Para começar, a pontada de inveja se tornou uma facada muito rapidamente quando entrou na sala e encontrou os dois, Pedro sentado em cima de uma mesa e Clara de frente para ele, os dois conversando muito próximos, ela brincando com a corrente pendurada no pescoço dele.

Miguel não gostava de sentir inveja. Ninguém gostava, é claro, mas para ele não era apenas o sentimento ruim, era também a onda de culpa o acompanhando, atacando-o por ousar sentir algo minimamente relativo em relação a algo que trazia tanta felicidade a um garoto que estava aprendendo aos poucos a chamar de amigo. Mas não conseguia evitar. Sabia que flertar e namorar não era fácil para ninguém, mas conseguia ser particularmente difícil para ele por conta do pequeno agravante de ser muito difícil achar alguém com quem pudesse sequer ter uma chance. Encontrar uma pessoa dessas que ainda lhe fosse atraente? Bingo, ganhou na loteria. Trabalhar com suas opções limitadas se tornava ainda mais doloroso vendo mais um casal encontrar conforto um no outro.

E, em segundo lugar, seria impossível evitar. Pedro se virou para ele e acenou de forma enérgica ao vê-lo chegar, e Clara seguiu o gesto, e depois disso Lucas, sentado um tanto entediado em uma mesa ao lado e se sentindo visivelmente deixado de lado, pareceu muito feliz em ver Miguel chegar.

Não podia evitar nem se quisesse. Estava no meio disso tudo, enfiado até o pescoço, e sabia que seria no mínimo crueldade deixar Lucas nadar sozinho contra essa maré, principalmente quando entendia perfeitamente como ele devia estar se sentindo. E a culpa da inveja que também via no rosto desanimado do garoto era, com certeza, a pior parte de todas.

Miguel conteve um suspiro, indo até sua mesa na sala e deixando a mochila lá, para depois ir se sentar na mesa de Lucas, ao lado dele. O garoto abriu um sorriso um pouco desanimado para Miguel, mas genuíno.

— Bom dia. Deixou a alma na cama? — perguntou, tentando ser engraçado e soltando uma risadinha no final.

Sua intenção era fazer uma piada, mas talvez não tivesse escolhido o melhor caminho para isso. Lucas ajeitou a postura na mesma hora, abrindo um sorriso — esse falso, Miguel notou — e estralando os dedos devagar.

— Acho que sim. Já é quase hora da aula, preciso acordar, não é?

Não queria fazê-lo sentir que seu sentimento não era válido, principalmente quando o completo oposto disso era verdade. Mas dizer a Lucas que entendia como ele se sentia teria de incluir dizer a ele exatamente o porquê, e não podia fazer isso. Não podia. Só queria chegar ao final daquele ano em paz, sem dores de cabeça. Miguel se ajeitou na mesa, chegando mais para trás e encostando as costas na parede.

Ele desviou o rosto para Pedro e Clara no canto deles da sala, agora conversando sobre algo no celular da garota. Miguel sabia que casais novos eram grudentos e empolgados, mas minha nossa, como era chato de assistir. Ele suspirou, virou o rosto para Lucas e o encarou por um tempo. Assim como na sexta-feira, ele estava com o tal gloss transparente nos lábios, mas não usava a maquiagem que brilhava no rosto igual da última vez. Era dourado, não é? Achava que sim.

— Não tá com aquele negócio no rosto hoje? — Miguel perguntou, gesticulando com a mão na frente do próprio rosto para indicar do que estava falando.

— Você quer dizer... O iluminador? — Lucas questionou, franzindo a sobrancelha um pouco confuso com a descrição. Miguel deu de ombros.

— Não sei, quero? Talvez. Brilhava.

Tempos ModernosWhere stories live. Discover now