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Miguel queria muito poder dizer que se sentia instantaneamente confortável, que não pensou em mais nada disso durante a festa e que seus receios não lhe incomodavam mais, mas isso seria mentira.

É claro, saber que tinha seus amigos o apoiando era uma mudança da água para o vinho. Não tinha pensando no quanto queria uma rede de apoio ao seu redor até a perceber ali, até voltar para a mesa com seus amigos e ver como eles prosseguiram com a celebração como se nada tivesse acontecido. À exceção de Lucas, quem sentou diretamente ao seu lado e adotou uma postura mais relaxada e um sorriso mais leve, ambos muito atraentes nele e, Miguel percebeu, resultado de uma nova injeção de confiança, provável resultado de descobrir não ser o único garoto gay na mesa mais.

Miguel sabia se tratar disso, pois sempre se sentia mais confortável ao lado de Lucas. No começo tinha ficado desconfortável, Lucas parecia muito confiante em sua própria pele, com toda a maquiagem e o jeito único de agir, certamente atraindo holofotes para si sem parecer se importar com as consequências. Mas com o tempo, essa confiança dele tinha se tornado como um conforto em seu subconsciente, um aviso de se Lucas podia agir daquela forma e se sentir bem consigo mesmo, então tudo ia ficar bem para Miguel também.

Em algum momento, aquilo se tornou paixão. E agora tinha também camadas de admiração e atratividade misturadas nisso, um turbilhão de emoções e hormônios adolescentes se manifestando em um outro desviar de olhos na direção de Lucas com um queixo caído e um silêncio absoluto de sua parte. Se Lucas reparou, não disse nada. Miguel esperava não ter reparado. Ia morrer de vergonha e não estava o fazendo de forma exatamente consciente.

Pedro ia e vinha para a mesa, rodando pela festa para dar atenção a todos os convidados, e volta e meia buscava Clara para apresentá-la a alguém, então na maior parte do tempo eram apenas os garotos ali. Arthur, agora com um pratinho de salgadinhos em sua frente, tinha parado de reclamar e quase de falar também, se ocupando de comer. Zé Dois e Lucas conversavam sobre assuntos variados — alguns filmes, uma partida de futebol, a lasanha vegana que a mãe de Zé Dois tinha feito pro jantar — e Miguel estava muito satisfeito em assistir.

A mistura de alívio e tensão depois de se abrir para eles tinha o deixado cansado. Não sabia explicar o motivo e não era um resultado o qual esperava, mas não precisar ficar em estado de alerta o tempo todo estava mostrando o quanto a situação anterior vinha consumindo seus pensamentos. Agora, relaxado, sentia-se muito bem por poder observar o ambiente ao seu redor sem precisar intervir a qualquer custo ou se proteger de alguma coisa. Era agradável. Gostava disso.

Em algum momento, ele percebeu que Lucas vinha enchendo seu copo de refrigerante para ele — o que agradeceu com um sorriso simpático — e depois de pegar um pão de queijo percebeu também como o garoto vinha o dando cutucões discretos quando uma bandeja de salgadinhos passava por perto, para analisar se queria algo ou não. Algumas horas mais tarde, acabou retornando para a conversa, aos poucos, com um tom mais leve e bem menos preocupação em acabar dizendo algo comprometedor. A história da apresentação de teatro veio à tona em algum momento, para a admiração de Zé Dois e risada de Arthur, quem parecia achar muito engraçada a ideia de Miguel em cima de um palco.

— Puts, queria ter visto isso, deve ter sido ótimo! Travado que nem você é!

— Eu não sou travado! — Miguel rebateu, inclinando-se por cima da mesa com talvez um pouco mais de energia que o necessário. — Eu estava travado, é diferente.

— Como está se sentindo, por falar nisso? — Zé Dois interrompeu, bebendo um gole longo de seu refrigerante. — Se sente mais tranquilo? Está melhor?

Tranquilo? Miguel encarou a superfície do refrigerante em seu copo por um instante, bebendo um gole em seguida e dando de ombros.

— Leve, acho. Obrigado... Por tudo.

Tempos ModernosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora