VIII

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Miguel não conseguiu responder. Ele passou os próximos segundos encarando Lucas, de forma não tão indiscreta assim, mas não conseguiu desviar o olhar. O garoto puxou uma cadeira exatamente ao seu lado, sentando-se, e o olhar de Miguel acompanhou enquanto o rosto iluminado e brilhante de Lucas entrava ainda mais em seu campo de visão. Em algum momento, Lucas virou para ele e disse algo, mas Miguel não identificou palavras, vendo a boca dele se mexer sem ouvir nada até levar um cutucão no ombro.

— Ah! Desculpe, me distraí — exclamou, percebendo também ter passado os últimos instantes de boca aberta. — O que perguntou?

— Perguntei se está tão ruim assim... — Lucas respondeu, abaixando a cabeça um pouco sem graça e tirando um espelho pequeno do bolso do terno. — Ou se borrou alguma coisa. Você tá encarando, algo deve ter estragado...

Estragado? Essa definitivamente não seria a palavra escolhida por Miguel para descrever a chegada do amigo. Ele se impediu de soltar uma risadinha por muito pouco, dando um gole em seu refrigerante para ocupar a boca e vendo Lucas admirar o próprio reflexo, visivelmente preocupado com algo que tivesse deixado escapar.

— Não tem nada errado não — Miguel disse, enfim. — Desculpe, encarei mesmo, mas é que fiquei surpreso. Nunca tinha visto você com tanta coisa no rosto assim. Tá muito bem feito, você leva jeito pra coisa.

— Ah! — Lucas exclamou, ainda sem jeito, mas agora com um sorriso no rosto, de certo o desconforto era um resultado de uma leve timidez com humildade agora. — Bem, nesse caso, obrigado. Eu sei fazer mais coisa, mas só posso fazer isso na casa da Clara, eu estava lá antes de vir pra cá. A mãe dela acha o máximo, o pai dá risada às vezes. Na minha casa meu pai me matava, eu acho.

De alguma forma, aquela frase fez Miguel sentir o clima pesar um pouco. Ele olhou para Arthur, agora em uma conversa com Zé Dois, Clara e Pedro, lembrando-se da discussão do garoto com o pai minutos antes de descer do carro. Não sabia do que se tratava, mas não precisava saber para achar no mínimo incômodo presenciar uma cena daquela. O homem parecia muito agressivo. Perguntou-se se o pai de Lucas seria assim também, e de repente desejou muito que não. Não queria ele tendo de passar por nada parecido com aquele tipo de coisa.

E tudo isso de repente o fez apreciar muito o próprio pai. Não tinha parado para pensar no quão compreensivo o homem vinha sendo com tudo, o quanto a situação poderia ter sido muito pior. Depois de descobrir daquela forma que o filho era gay, com tudo armado para colocá-lo de castigo por um bom tempo, tinha confiado em sua palavra sem pensar duas vezes e demonstrado nada além de apoio com a situação.

De repente, sentiu uma onda de gratidão muito forte pelo homem. Precisava agradecê-lo por tudo depois. Já devia ter feito isso há um bom tempo.

— Onde tem refrigerante? — Lucas perguntou, sentado a seu lado com o rosto apoiado casualmente na mão e o olhar distraído para os copos de refrigerante na mesa.

— Os garçons estão passando com bandeja — Zé Dois respondeu, felizmente, pois Miguel não conseguiu formular palavra alguma, com seus olhos presos inconscientemente nos lábios coloridos de Lucas.

"Céus, você está mesmo encarando," pensou, repreendendo a si mesmo, "pare com isso, quer ser notado?".

— Eu acho que vou dar uma volta e dar uma olhada por aí — Miguel disse, de repente, levantando-se da cadeira.

Precisava sair de perto de Lucas um pouco, apenas o suficiente para se acostumar com a presença dele e não sentir seu coração se torcendo ao meio daquela forma ao vê-lo ao seu lado tão inocente quanto à sua própria situação atual de atratividade. Precisava de ar fresco.

Tempos ModernosWhere stories live. Discover now