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Sete meses depois


Miguel detestava se atrasar para qualquer tipo de coisa. Tinha aprendido a marcar seus compromissos e a atendê-los de forma impecável, mas como poderia prever um ônibus estragando no meio da Avenida do Contorno e agarrando o trânsito todo logo quando estava chegando na pizzaria? Ele olhou irritado para a hora no celular, descendo do carro, pagando o motorista e correndo às pressas em direção ao local.

Como tinha imaginado, era o último a chegar. Ele suspirou, coçando a nuca um pouco encabulado e seguindo até a mesa já ocupada por seus amigos. Clara estava sentada em um dos cantos, ao lado de Arthur. Zé Dois ocupava a cabeceira e, do outro lado, estava Lucas, com uma cadeira vazia ao seu lado.

— Me desculpem — ele anunciou, antes mesmo de se sentar. — Oi gente, teve um imprevisto...

— O ônibus né? — Lucas perguntou, servindo um pouco de refrigerante em um copo vazio e já o entregando para Miguel enquanto ele se sentava. — A gente viu. Como você tá?

Miguel deixou um selinho sobre os lábios do namorado, passando um braço pelo encosto dele casualmente e bebendo um gole do refrigerante. Com fome, isso sim. Era assim que estava.

— Tô bem e tô afim de uma pizza de carne-seca com catupiry. E vocês?

— Morrendo de fome — Arthur respondeu, levantando a mão para atrair a atenção de algum garçom. — Na próxima vai ser rodízio, que aí eu começo a comer antes de vocês chegarem.

— Não tô surpreso — Miguel brincou. — E você, Zé Dois?

— Ah, mais ou menos. Não consegui aquele estágio que queria no aquário, mas acho que experiência de segundo semestre de biologia é pouco pro que eles queriam. Quem sabe na próxima.

Que merda... Miguel bebeu mais um gole de seu refrigerante, estralando o pescoço devagar. Algumas aulas vinham sendo bem puxadas, sabia que Educação Física ia te dar um cansaço, mas isso junto com seu novo hábito de treino na academia vinha o deixando com mais dores que gostaria de ter.

— Credo Miguel — Lucas comentou, passando uma mão pelos ombros dele. — Você tá todo tenso. Vou passar na sua casa amanhã pra dar um jeito nisso, ainda tem o vidro de arnica que eu te dei?

Santas massagens com arnica. Onde tinha achado Lucas mesmo? Com certeza estava devendo algo pra alguém, não podia ter dado tanta sorte.

— Tenho. Você é um anjo, Lucas.

— Eu sei — ele respondeu, com um sorriso convencido.

Então, Miguel se virou para Clara, que observava tudo com um sorriso muito discreto e a expressão distraída. Se Miguel tinha chegado atrasado e Pedro ainda não estava ali, só podia querer dizer uma coisa.

— Pedro não conseguiu vir?

— Essa semana não deu... Muitas provas. Viajar de São Paulo só pra isso e voltar pra lá não ia valer à pena. Acho que vou aproveitar o próximo feriado pra ir visitar ele, ele fica morrendo de saudade.

— Só ele? — Arthur brincou abrindo um sorriso sacana no rosto.

Clara ficou, de repente, muito corada.

— O que quer dizer?

— Naaaada... Imagina.

O garçom finalmente percebeu, nesse momento, a mão erguida de Arthur, e se aproximou para anotar os pedidos. Miguel fechou os olhos por um instante, recostando-se para trás e sentindo a mão de Lucas encontrar o pescoço dele e começar uma massagem muito discreta.

— Como estão as coisas com seu pai? — Miguel perguntou em um sussurro, aproveitando a distração de Arthur com o garçom e a conversa que Clara e Zé Dois conversaram sobre os pés doloridos dela graças aos treinos para entrar no conservatório.

— Na mesma. Ele finge que não tem filho e que eu não existo. Eu tenho certeza que quando eu acabar a faculdade ele vai me chutar pra fora de casa. Ou ao menos tentar. Mamãe vai tentar impedir.

Lucas abaixou o rosto, e Miguel viu, mesmo com o garoto tentando esconder, a forma como ele piscou os olhos — apenas com um delineador roxo mais discreto naquela noite — tentando afastar as lágrimas. Miguel desceu o braço, puxando o garoto para perto em um abraço carinhoso.

— Vai melhorar. Com o tempo vai, eu sinto isso. E até lá, se alguma coisa acontecer...

— Eu sei. Sei mesmo — Lucas respondeu, abrindo um sorriso suave e fazendo um carinho no rosto de Miguel. — Obrigado. Você é o melhor namorado do mundo.

— Hm... É. Eu sou mesmo.

Miguel riu, dando uma cutucada leve e esportiva nas costelas de Lucas, algo que tinha aprendido que fazia o garoto sentir cosquinhas, e ele se contorceu em uma risada contida.

Um ano atrás, tinha a maior certeza de que lhe faria bem não ter amigos, terminar o ano sozinho e seguir a vida em paz. Agora, olhando ao redor na mesa, só conseguia se sentir muito grato pela vida ter tomado as rédeas e tê-lo levado para um outro destino.

Tempos ModernosWhere stories live. Discover now