VII

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Nem no primeiro dia em sua escola nova Miguel entrou na sala com tanto receio quanto naquela manhã de segunda-feira. Ele viu logo no fundo da sala o círculo formado por Lucas e os demais, e Pedro falava bem animado sobre alguma coisa. Havia um burburinho na sala, vários alunos conversando agitados, todos com um papel preto nas mãos.

Miguel sentiu o coração disparar. Era apenas ansiedade sem sentido, tinha certeza, mas mesmo assim, sentiu. E se aquele fosse algum tipo de bilhete de fofoca contando a todos onde tinha estado poucos dias atrás? E se seu segredo do teatro não fosse mais secreto assim? Quanto tempo mais ia levar para perder o controle dos outros segredos também?

Mas ninguém estava olhando para ele quando entrou na sala. Não parecia ser o assunto. Ninguém parecia estar mal-intencionado também, o clima no local era de um tipo de felicidade e empolgação muito genuíno. Não tinha motivo para se sentir nervoso. Não tinha como ser o assunto.

Aproximou-se dos quatro reunidos no fundo da sala, sem dizer nada, olhando de canto de olho para as mãos de Pedro. O garoto segurava uma pequena pilha de envelopes pretos, e abriu um sorriso enorme quando vasculhou a pilha até encontrar um escrito "Miguel" do lado de fora e o entregar para ele.

— Aê, chegou finalmente. Já tava achando que ia ter que guardar o seu pra depois.

Miguel piscou os olhos, um pouco atordoado, abrindo o envelope e tirando o cartão de dentro. Era um convite para a festa de aniversário de 18 anos de Pedro, no próximo sábado. Tinha o endereço e um convitinho individual preso em cima. Não ia ser pouca coisa, logo deu pra notar.

— Uau. Obrigado.

— Por nada, e faz o favor de ir — Pedro comentou, passando o braço pelos ombros do amigo. — E, cá entre nós, para nós aqui, a festa só acaba domingo, sabe como é? Lá pras dez, onze, o povo deve ir embora. Mas pra nós eu vou separar uns quartos lá, vocês podem dormir, cabe todo mundo, e domingo a gente aproveita o dia na piscina.

Oh. Era um convite VIP pra festa. E festa rica, dava pra perceber. Sequer tinha roupa para isso? O terno do seu pai não ia servir nele, onde ia arrumar um?

— Não acho que eu possa ficar pro fim de semana, Pê — Clara comentou, parecendo um tanto preocupada. — Meus pais não vão gostar disso.

— Diz que vai comigo — Lucas cortou.

— Não sei se adianta nesse caso. Ainda é na casa dele...

De repente, Pedro pareceu muito mais triste. Aquele sorriso gigante que ele tinha no rosto segundos atrás, distribuindo os convites para os colegas de turma, desapareceu. Ele olhou para Clara um pouco chateado, e ela guardou o convite dentro do fichário.

— Desculpa...

— Não é sua culpa, não tem que pedir desculpas — ele cortou, forçando um sorriso meio triste no rosto. — Vá do jeito que der pra ir. E se não der... Bem... Me promete que vai ao menos tentar?

— Isso eu prometo, sim.

Pedro se inclinou para dar um selinho nela, e foi maravilhoso ouvir o sino tocar naquele exato instante, pois Miguel ficou muito feliz de ter uma desculpa para não precisar assistir demonstração de afeto alheia. Ele se sentou em sua mesa e aos poucos os alunos foram se dispersando para seus lugares com a chegada do professor à sala.

O homem começou a falar sobre o assunto do dia — alguma equação de alguma forma geométrica — mas Miguel não conseguiu prender a atenção por mais de alguns segundos. Tinha copiado meio conteúdo no caderno quando decidiu olhar para o lado e, várias fileira à esquerda, deu de cara com Lucas o encarando.

Tempos ModernosWhere stories live. Discover now