XIX

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Miguel ouviu uma conversa agitada começar na mesa antes mesmo de ter dado dois passos para longe dela, mas não quis prestar atenção ou interferir no que fosse falado. Já dito o que queria dizer e agora precisava acreditar em Lucas para coordenar o assunto da melhor forma para si. Podia dividir suas experiências e o que tinha aprendido com elas, mas não podia forçar ou convencer ninguém a aprender com seu exemplo. Para isso, ao menos por agora, só podia esperar.

Ainda assim, quando voltou para sua mesa e se sentou ao lado de Clara de novo, estava torcendo para um bom resultado. Ela estava virada para trás, olhando a mesa de Lucas por cima da cadeira, bem como seus outros amigos estavam. Miguel não sabia se queria olhar. E se tivesse estragado tudo?

— Como está a situação? — ele perguntou, roubando um salgado do montinho de Arthur.

— Estão conversando. A coisa tá quente — ela comentou.

— Pro Lucas? — Miguel perguntou, preocupado. Teria, apesar de todos os seus esforços, estragado tudo mais uma vez?

— Não exatamente... É mais a mãe e o pai dele brigando entre si. E às vezes ele falando alguma coisa. É difícil dizer daqui, eu não sei fazer leitura labial.

Miguel suspirou, abaixando o rosto e passando as mãos pelos cabelos. Precisava manter a calma, ainda não sabia o que estava acontecendo. Não podia ficar sofrendo por antecipação. Ele pegou mais um salgadinho, esperando que comer fosse controlar seu nervosismo, e procurando um garçom com os olhos para pegar um copo de refrigerante para si. Não demorou para conseguir um, e passou os momentos seguintes acabando com a pilha de salgadinhos de Arthur e se entupindo de refrigerante, esperando alguma coisa acontecer. Qualquer uma.

Não soube dizer exatamente quanto tempo se passou, embora pela quantidade de papéis de salgadinho em sua frente fosse apostar em mais de quinze minutos com certeza. Então Clara se virou para a frente de uma vez, e os garotos também, e Miguel olhou para eles, agitado, esperando uma resposta.

— O que foi? O que aconteceu?

Antes de qualquer um responder, ele viu que todos estavam olhando para um ponto atrás de si, e ele se virou, sentindo uma presença se aproximar. E então, ali estava Lucas, em seu terno muito alinhado e cabelo penteado, ainda não parecendo ele mesmo, mas ali, ao seu lado.

— Guardaram lugar pra mim, não foi? — ele perguntou, com um sorriso leve e pequeno no rosto, e Miguel não soube dizer se sentiu primeiro o alívio de vê-lo bem ou a felicidade de vê-lo ali. Talvez as duas coisas.

— Na última vez que você me perguntou isso eu acabei te beijando do lado da mesa de doces — Miguel respondeu, abrindo um sorriso em resposta ao clima leve se apresentando ali ao lado deles.

— Por favor, não faça isso hoje. Papai ainda está aqui.

Não faria, é claro que não. Poder conversar com Lucas e passar a noite com ele já estava de bom tamanho. Miguel deu dois tapas no ombro de Arthur, empurrando-o para o lado com alguma insistência, para que ele pulasse uma cadeira.

— Ai caramba — o garoto reclamou. — Eu vou arrumar uma namorada também, e aí vocês vão ver. Vou ficar um nojo.

Miguel não respondeu, não conseguia se importar com Arthur agora. Ele e Zé Dois passaram para as cadeiras ao lado, liberando a cadeira à direita de Miguel para Lucas sentar. O garoto o fez, em silêncio, e pousou as mãos na mesa, cumprimentando os presentes com um aceno, sem falar mais nada.

E Miguel não queria ser aquele tipo de pessoa curiosa a entupir o outro de perguntas no meio da festa, principalmente se o assunto fosse matar a diversão dele, mas não conseguia deixar de se sentir ansioso tendo sido ele mesmo a trazer todo aquele conflito para o local. O fato de Lucas estar sentado na mesa ao seu lado tinha de significar algo bom, mas mesmo assim, não saber os detalhes estava o matando por dentro.

Tempos ModernosWhere stories live. Discover now