IX

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Miguel sempre tinha recebido muitos ensinamentos de seu pai. Um homem de coração bondoso e natureza tranquila, Joaquim sempre tinha tentado influenciar o mesmo tipo de reação em seu filho, ensinando-o a racionalizar seus problemas e pensar neles de cabeça fria para encontrar a melhor solução. Infelizmente, Miguel nunca dominou a habilidade por completo.

Não que fosse uma pessoa impulsiva, não o era, mas achava difícil controlar seus medos e receios em situações de pressão ou nervosismo por motivos externos, independentes de sua vontade. E poucas vezes na vida tinha se sentido tão nervoso quanto naquele momento.

Caminhar com Lucas de volta pela festa foi como fazer uma caminhada da vergonha, expondo-se a olhares e comentários dos mais diversos tipos, ou ao menos assim sua cabeça fazia parecer. Cada olhar em sua direção — talvez nem fosse para si, mas era em sua direção — o fazia se sentir alvo da nova fofoca do dia. Qualquer sussurro. Qualquer risadinha. Paranoia, tinha certeza, mas não conseguia evitar.

E embora nem todos os olhares e comentários fossem para si, mesmo Miguel afundado em dúvidas teve a certeza de um ou outro se tratarem exatamente dele e do beijo na pista de dança. Céus, tinha beijado Lucas entre a mesa de doces e a cabine do DJ, como tinha imaginado que as pessoas não veriam isso?

Em algum momento, já se aproximando da mesa deles, ele viu Clara olhar para os dois com um sorriso de canto no rosto, e Zé Dois, com quem ela vinha conversando, encarou-o com uma expressão neutra, mas carregada de seriedade. Não havia como se confundir ali. Eles sabiam.

Miguel parou de andar. Ele sentiu o sangue correr do rosto, um suor frio escorrer pelo pescoço e uma leve tontura se apossar de sua cabeça. Lucas, quem tinha seguido andando, demorou mais alguns passos para perceber Miguel mais para trás, e ele parou, virando-se para ele.

— Miguel? — chamou, caminhando de volta em direção ao garoto.

Zé Dois se virou de volta de frente para a mesa, dando as costas a Miguel. Clara, ainda com o sorriso no rosto, virou-se para conversar com Pedro agora. Se eles sabiam, a mesa inteira devia saber. Se a mesa inteira sabia, Arthur sabia.

Precisava sair dali.

— Eu vou embora — murmurou, dando as costas de repente e caminhando em direção à casa.

Era isso o que ia fazer. Ir até o quarto de Pedro, pegar sua mochila, ligar para seu pai, pedir uma carona e voltar para casa. Depois entrar em contato com a diretoria e pedir para trocar de turma, o que muito provavelmente seria negado a menos que ele ameaçasse cancelar a matrícula, mas talvez a perspectiva de perder um aluno pagante os fizesse ceder. Não queria mudar de escola de novo, então mudar de sala era o máximo a seu alcance e teria de servir.

Então poderia fingir que nada tinha acontecido, que Lucas não existia e que nunca tinha falado com Clara, Pedro, Arthur e Zé Dois. Só precisaria aguentar o inferno até o fim do ano e pronto, adeus ensino médio para nunca mais. Era um plano simples. E um plano bom. Sim, era só seguir com isso, e pronto, tudo estaria terminado antes mesmo de se complicar demais.

Miguel entrou na casa, afrouxando a gravata em busca de ar fresco e desabotoando os dois primeiros botões da blusa social. Conseguia imaginar seu pai o enchendo de perguntas quando entrasse no carro, mas tinha muita certeza de poder driblar tudo se sua cara de sofrido fosse boa o bastante. E provavelmente era. Não sabia o quão pálido estava agora, mas conseguia sentir o sangue fugido do rosto então provavelmente um bocado. Alcançou enfim o quarto, e estava com a mão na alça da mochila quando sentiu um toque em seu ombro.

Virou-se de uma vez. Era Clara. E Lucas. E Pedro, Zé Dois, e bem lá atrás, Arthur, de braços cruzados e expressão de pouquíssimos amigos.

— O que tá fazendo, cara? — Pedro perguntou. — Precisa trocar de roupa?

Tempos ModernosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora