Capítulo 3

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- Melhor, eu acho! - Minha voz saía grossa, pastosa.

- Meu filho, você estava muito machucado. Está aqui há dois dias.

- Dois dias? - eu estava surpreso, para mim eu estava ali há alguns minutos.

- Sim, e nesse período eu vinha aqui lhe visitar. Ninguém lhe procurou e eu não falei nada a ninguém, não se preocupe. – ele completou a frase assim que viu meu sobressalto na cama, eu ainda sentia medo dele me fazer voltar para a casa do monstro - Você ficará aqui até se recuperar bem.

- Obrigado, padre. - Eu sentia as lágrimas saírem desgovernadas, pois nunca ninguém tinha me tratado com tanto carinho como aquele senhor e o Caio.

O que será que eles estariam pensando sobre mim? Será que nesses dois dias eles já não tentaram me procurar? Será que minha mãe não faria nada para me encontrar? Será que eu era tão insignificante para eles? De fato eu era!

Eu fiquei no hospital por mais algumas semanas, o padre vinha sempre me visitar e perguntar se eu queria que chamasse alguém. Mas, eu lhe informei que não havia ninguém a ser chamado. As únicas pessoas que legalmente poderiam ser chamadas, foram as responsáveis por eu estar ali. Eu havia fraturado três costelas, quebrado o braço esquerdo e também tinha fraturado o baço. Meu corpo estava cheio de hematomas e ferimentos e eu não conseguia enxergar devido a um derrame ocular ocasionado pelas diversas pancadas que eu tinha levado, isso tudo me foi explicado pelo padre e por uma enfermeira que passava vez ou outra para me monitorar.

Quando chegou o dia de eu sair do hospital, o padre apareceu lá com um par de roupas. A única roupa que eu tinha havia sido descartada pela equipe do hospital, pois estava toda rasgada e ensanguentada. Ao sair do hospital, eu não tinha para onde ir. Eu sabia que não poderia ficar com o padre, mas mesmo assim nos primeiros dias ele me levou para a casa paroquial. Eu fiquei lá durante cinco dias, até o padre ter certeza que eu estava recuperado. Eu disse que iria para a casa de um amigo de escola e prometi voltar lá para dizer como eu estava. Eu agradeci ao padre por tudo o que ele havia feito por mim, agradeci com lágrimas nos olhos. Se não fosse por ele, eu não sei o que teria sido de mim.

A ideia era ir mesmo para a casa do Caio, mas no meio do caminho eu senti vergonha. Vergonha por tudo o que eu tinha passado e medo de entrar em contato com ele e de meus irmãos estarem me esperando pelas redondezas ou da família dele entrar em contato com a minha. Então, eu fiquei vagando pela cidade. Passei o dia andando e no final da tarde eu fui para um praça onde eu pudesse descansar um pouco. E foi assim que eu passei os próximos dois anos da minha vida. Eu vivia do que eu encontrava pela rua e das esmolas que eu conseguia pedindo por quem passasse por mim. Foram os piores anos da minha vida, eu sentia medo todos os dias, todas as horas, todos os minutos. Esses anos não valem a pena serem lembrado e contados em detalhes...

Mas, mesmo abandonado e deixado para morrer na rua, mesmo morando na rua e vivendo de migalhar... mesmo assim eu tinha metido na minha cabeça que eu iria embora daquela cidade, um dia eu iria recomeçar minha vida, mas para isso eu precisava juntar dinheiro e ter 18 anos. Agora, como que eu iria juntar dinheiro?

Depois do dia que meu irmão me encontrou com o Caio, eu nunca mais tinha visto meu primeiro namorado (apesar de nunca termos declarado namoro). Uma vez, depois de eu já estar bastante tempo nas ruas, meu pai passou por mim. Eu estava no centro da cidade pedindo dinheiro, ele não me reconheceu. Eu estava completamente diferente, claro. Ficar na rua, com precária higiene, sem ter o que comer, com certeza muda uma pessoa. Quando ele passou por mim, eu senti tanto medo, medo dele me descobrir e me bater ali mesmo.

Mesmo estando na rua, eu nunca perdi a esperança de recomeçar. Eu estava determinado a ter uma vida melhor e foi essa determinação que me manteve vivo. Eu me cuidava o máximo que eu conseguia, tomava banho em um rio que havia na cidade e comia o que as pessoas me davam, eu sempre rondava alguns restaurantes, pois eu sempre conseguia coletar as sobras. Assim, eu fui garantindo o mínimo de saúde para eu conseguir vencer aquela fase. No decorrer dos anos 2004 e 2005, eu juntei todo o dinheiro que eu consegui pedindo dos outros e reparando carro no centro comercial. Eu tinha medo o tempo todo, tinha medo de me roubarem o pouco dinheiro que eu conseguia juntar. Tinha medo dos outros mendigos tentarem me agredir, mas graças a Deus nem uma coisa e nem outra aconteceu. A minha vida era extremamente solitária, ninguém queria falar com um mendigo. E os próprios mendigos mantinham distância de mim, pois eu nunca falava nada.

Amor que nunca acabará - PARTE 1Where stories live. Discover now