Eu e o Demônio

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O gato preto é uma criatura bastante peculiar, todos os gatos em si têm suas peculiaridades, alguns são extremamente carinhosos e amigáveis, enquanto outros são bastante furiosos e reclusos, alguns gostavam de companhia, outros eram ariscos, mas o gato preto não se encaixava em nenhum desses aspectos, ele era bastante misterioso e sempre parecia saber demais sobre tudo. Mas ter um gato preto por perto poderia ser sinônimo de má sorte, principalmente em um mundo desconhecido. Em todas as vezes que o havia encontrado algo de ruim acontecia, ou talvez ele fosse apenas um gatinho preguiçoso que sempre queria me ajudar das coisas ruins que já estavam fadadas a acontecer. A questão é que aquele gato preto não era um gato preto comum, ele já havia sido uma pessoa no passado distante, fragmentos da minha memoria sempre apareciam quando via algo que poderia ser importante. E agora parado naquela penumbra, quase que completamente camuflado, se não fosse pelo brilho daqueles olhos felinos, eu não poderia dizer que aquele era o gato preto parado na janela do quarto do Jack, me encarando como um convite para noite adentro.

Levantei o mais devagar possível para não acordar Jack, mas ele aparentava estar tão cansado que talvez nem uma tempestade o acordasse. Fiquei de pé ao lado da cama, olhei por alguns segundos para o rosto suave de Jack, ele era tão lindo mesmo com aquela cicatriz, mesmo aparentando estar cansado, queria ficar olhando para ele o tempo todo, mas o vulto do gato preto esperando pacientemente por mim não me permitia ficar tão em paz com a imagem do Jack ali dormindo.

Caminhei até onde aquele velho conhecido me esperava, e à medida que me aproximava conseguia distinguir ele da noite. Com os pelos pretos e brilhosos e aquela postura de superioridade que ele sempre carregava. Ele era totalmente diferente do humano que já fora um dia.

— Olá, Lúcio. – falei aproximando-se da janela e abrindo-a. Ele me ignorou, talvez não gostasse de ser chamado por seu nome de humano. — O que? – perguntei mais uma vez. Ele estreitou os olhos, parecia estar furioso e ao mesmo tempo preocupado.

— O que você está fazendo aqui, gato preto? – tentei mais uma vez.

Ele suavizou a expressão e fez um sinal para que saíssemos, lembrei que lá fora tinha criaturas assustadoras que eu não teria como fugir se estivesse sozinha, mas, olhando novamente, não estaria totalmente sozinha, estava com o gato preto.

Abri a janela devagar, tentando fazer o máximo de silencio, o gato preto afastou-se para que eu pudesse pular pela janela, antes de fazer, dei uma ultima olhada para o Jack que ainda dormia e senti um aperto no peito por estar me afastando dele novamente, não queria deixa-lo sozinho de forma alguma. Mas o gato preto insistiu novamente para que eu o seguisse e então fiz, lá fora estava ainda mais frio do que antes, as casas agora pareciam mais solitárias e abandonadas, apesar de não serem casas velhas e acabadas, elas agora transmitiam um ar noturno.

O gato preto caminhava na frente tranquilamente, como se nada o assustasse ali, sempre com o ar de superioridade como se soubesse sobre tudo, mas até o momento ainda não tinha dito uma palavra, e lembrei que ele só falava quando bem queria. Firmei o passo para acompanhá-lo e ficar ao seu lado, não tinha ideia para onde estava me levando, em todo caso aquilo também poderia ser apenas um sonho.

— Você não vai falar nada? – perguntei. Ele me olhou arrogantemente e depois voltou a olhar para o caminho à frente. Comecei a me questionar se aquele gato preto era o mesmo gatinho preto do meu mundo, ele estava muito silencioso, e parecia mais arrogante do que nunca. Poderia muito bem ser um impostor.

— Caramilholas na cabeça, Coral? – a voz do gato preto ecoou em meus ouvidos naquele silencio gélido. Finalmente ele estava falando, e sem duvidas era sim o gato preto do meu mundo, a voz era inconfundível.

Coral RosesWhere stories live. Discover now