Reunião em Família

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Abri os olhos devagar com medo de ainda estar naquele pesadelo com aquela criatura aterrorizante, mas o lugar em que estávamos era... minha casa. Estava na sala, no sofá de frente para a TV, demorou um pouco para assimilar todo o lugar e as pessoas que estavam ali. O primeiro rosto que busquei foi o de Toby, já que havia sido ele que aparecerá naquele inferno para nos salvar. Mas por algum motivo, não sentia como se realmente estivesse acordada.

Levantei do sofá e olhei para trás, na direção da cozinha onde estava a mesa de jantar, havia pessoas sentadas, mas não consegui distinguir quem seria. Comecei a andar na direção deles, mas antes que pudesse chegar à entrada da cozinha, ouvi um barulho no andar de cima que chamou minha atenção. Resolvi conferir primeiro antes de ir à cozinha e subi as escadas, dava pra ouvir que o pessoal estava conversando normalmente lá embaixo, então provavelmente estaria tudo ok.

Entrei primeiro no quarto de Rowena, que como imaginei estava vazio. Ela provavelmente estava com seu namorado e sua avó maligna. Fui para meu quarto que era onde havia deixado Toby antes de sair para aquela aventura mortal. A porta estava entre aberta e a luz lá dentro parecia cintilar, entrei rapidamente com medo de meu irmão estar em perigo, mas ele estava deitado na cama, enrolado em cobertas, de olhos fechados e tremendo. Sentei ao seu lado e pus a mão em sua testa, estava com febre.

— Mas foi você quem nos tirou de lá. – sussurrei enquanto acariciava seus cabelos. Respirei fundo e olhei ao redor. Era nossa casa, parecia nossa casa. Se Toby ainda estava doente e impossibilitado de sair dali, quem havia nos tirado de lá? Havíamos saído de lá?

"Preciso sair daqui"

Toby murmurou ainda de olhos fechados.

Aproximei meu ouvido de seus lábios, ele se debatia suavemente e parecia querer falar algo.

"Preciso sair daqui... Preciso..."

Cheguei tão perto de seus lábios que seu hálito fervendo esquentou meu ouvido. Meu irmãozinho queria dizer algo, mas era difícil entender.

"EU VOU MATAR AQUELA MEGERA"

Pulei tão rapidamente para trás que acabei caindo da cama e bati a cabeça no chão com força. Tudo ficou escuro e mais uma vez fui levada ao mundo dos sonhos. O lugar em que eu estava agora que abri os olhos, era totalmente diferente do real. Parecia à floresta do outro mundo, só que estava diferente, estava mais colorido, as cores eram bem vivas e tinha coisas que antes não estavam lá. O poço estava lá, estava cercado por flores azuis e pink formando uma linda corrente ao seu redor. Mas uma coisa que antes não estava ali e agora estava era um cemitério.

Tinha certeza que aquilo era um sonho, ou mais provável que fosse um pesadelo, ultimamente não tinha mais sonhos bons e tranquilos. Caminhei até aquele cemitério que estava coberto por uma névoa densa e cercado por uma cerca baixa de ferro. Senti um frio no pescoço como se alguém tivesse passado atrás de mim, olhei rapidamente pensando naquela criatura aterrorizante que não saia da minha mente. Senti medo de ainda estar naquela sala com ela e isso tudo fosse só mais um pesadelo para nos enganar. Era um sonho dentro de outro sonho, ou um sonho dentro de um pesadelo.

O cemitério era bem pequeno, depois que passei pelos portões que estavam abertos senti como se ali fosse ainda mais frio e mais escuro. Olhei para o lado e dava pra ver a casa grande e rosa ao longe, as luzes estavam acesas como em uma noite tranquila. Olhei ao redor e contei cinco lápides. Fui dar uma conferida em cada uma delas.

As duas primeiras lápides estavam lado a lado, uma estava escrito "Descanse em Paz, Outro Vovô" e a outra estava escrito "Descanse em Paz, Outra Vovó". Parei por alguns minutos tentando entender que tipo de sonho seria aquele. Não lembrava muito bem dos meus avós, sabia que eles haviam deixado aquela casa para meus pais e como ultima opção tivemos que ir morar ali. Lembrei também que minha avó contava histórias de quando morava nessa casa, sobre como ela escutava coisas atrás das paredes, como se existisse algo morando ali. Repentinamente também recordei que ela me falava sobre os sonhos estranhos que tinha, mas que o que mais a preocupava, era como minha mãe sentia necessidade de explorar todo aquele local. "Era muito perigoso", minha avó falava como quem tentava lembrar-se de algo, "os vizinhos eram loucos", "os ratos andavam por dentro das paredes" "e tinha aquele gato preto que sempre estava espreitando ao redor da casa". Eu era muito nova, Toby ainda não havia nascido e agora lembrando daquilo, senti novamente um frio na espinha, pois era como se estivesse ouvindo a voz dela, claramente, falando sobre a coisa que mais a perturbou. "Mas tinha aquela mulher, alta, pele pálida como um cadáver, parecia comigo, mas era assustadora, ela ficava sussurrando nos meus sonhos, falando que Coraline era filha dela e que ela adorava devorar suas filhas".

Afastei-me daquela lápide rapidamente e olhei as duas seguintes que estavam ali. A primeira era uma lápide bonita, com flores em volta, flores pretas que pareciam de veludo, na lápide estava escrito "Descanse em Paz, Outra Mãe". Lembrei-me de tudo que aconteceu naquela casa, o sacrifico, ela querendo me devorar, e Elzarella, que era mil vezes pior do que todos os monstros que já encontramos, talvez não tanto quanto aquela que estava adormecida, mas chegava bem próximo em maldade. Aquele lugar era bastante gélido e sombrio, parecia ser a morada de fantasmas do passado, fantasmas esses que eu queria a maior distância possível.

Comecei a caminha até as outras duas lápides que estavam ao lado, observei que estavam cobertas por ervas e flores de todas as cores, estava curiosa em saber de quem eram, mas antes que eu pudesse me afastar um pouco do lugar em que estava senti uma mão gelada agarrando minha perna e ao olha, a mão estava saindo de dentro do túmulo da Outra Mãe e me puxou com força para dentro da terra. Gritei e me debati tentando sair daquele buraco, mas a mão era mais forte e continuava a me puxar. Eu estava afundando e afundando, até que tudo ficou escuro e toda aquela terra me cobriu e não consegui mais respirar.

A primeira coisa que fiz foi puxar o fôlego com força, puxei todo o ar possível e então abri os olhos, ofegante, estava novamente no quarto do meu irmão caída no chão, respirei um pouco mais, estava aliviada de ter saído daquele pesadelo. Tentei me erguer apoiando-me nos cotovelos e olhei para cama que Toby estava, mas o que vi foram grandes olhos de botões negros cara a cara comigo. Gritei novamente. Tudo escureceu.

Abri os olhos novamente. Era um sonho dentro de outro sonho, ou um sonho dentro de um pesadelo. Estava novamente no sofá da minha casa, novamente ouvi conversas vindas da cozinha e mais uma vez levantei para ir até lá. Parei novamente diante a escada e olhei para cima, estava escuro e silencioso. Parecia tudo normal, e agora parecia estar no mundo real, não escutei barulho vindo de cima, mas na cozinha estava o maior barulho de conversa.

"— Temos que fazer alguma coisa!" – era a voz de Jack, estava claramente aborrecido.

"— Não seja tão óbvio, irmãozinho, claro que temos que fazer alguma coisa." – Kali soou bastante irônica.

"— Ela vai surtar quando souber." – essa era a voz do Car.

"— Ela é muito forte, é a única capaz de nos ajudar nesse momento, Coral vai ter que entender." – Kali falava, mas percebi dúvidas em sua voz.

Decidi aparecer de uma vez por todas na cozinha e interromper o que quer que fosse a discussão. Quando surgi todos olharam rapidamente e pularam assustados. Jack logo correu para meu encontro e me abraçou, depois deu um beijo no alto da minha cabeça.

— Você está bem? – ele perguntou. Seu rosto estava tão perto do meu que me deixou nervosa.

— Tudo ok. – respondi.

Kali estava com os braços cruzados e parecia inquieta, ela trocava olhares com Car que estava sentado a mesa. Até mesmo minha Tia Mikaella estava ali e aquilo me fez perceber que de fato estava novamente no mundo real.

— O que aconteceu? Porque estão todos estranhos? – perguntei. — Tudo bem com o Toby? – perguntei para tia Mikaella.

Com o silêncio de todos percebi que algo havia acontecido e me arrependi de não ter subido imediatamente para ver meu irmão. Empurrei Jack que ainda estava abraçado comigo e virei para ir ao quarto do Toby, mas antes que eu pudesse sair da cozinha Jack agarrou meu braço me fazendo voltar-se pra ele.

— Espera um pouco, é que...

Antes que ele terminasse a frase, ou que qualquer um ali falasse alguma coisa, ouvi pegadas fortes descendo as escadas, era pegadas como de alguém que usasse salto alto, descendo lentamente. Olhei rapidamente para entrada da cozinha e então meu coração acelerou ao ver aquela mulher esguia entrando, a pele era pálida como a de um cadáver, aos mãos pareciam longas garras afiadas, o sorriso mostrava as presas brilhantes, e seus grandes olhos de botões negros cintilavam como se estivesse faminta. Era minha mãe Coraline. Ou melhor dizendo, era minha Outra Mãe, a Bela Dama.

— Ouvi dizer... – ela deu uma pausa e abriu um longo sorriso macabro. — Que vocês sentiram minha falta. – sua mão foi em direção ao meu rosto e parou antes que pudesse me tocar. — Você sabe que eu te amo, Coral. 

Coral RosesWhere stories live. Discover now