A Teoria do Assumir

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Bateu o portão com o peito acelerado.

Se escorou ali tremendo inteira com os olhos fechados e pediu a Deus juízo, calma, paciência e maior autocontrole. Lábios secos sob a camada de gloss borrada pelo beijo nenhum pouco inocente clamando goles e goles d'água insuficientes pra refrescar seu corpo. Tava quente, né? Puxou os cabelos pra cima pra abanar o pescoço suado e suspirou indignada com os próprios impulsos.

Que porra deu cabeça pra sair assim de um papo com Marola? Nem falava da loucura de contrariar um traficante armado na frente do bando dele, mas do porque deu mole pra Marcílio assim, de graça. Nem perdeu tempo dando desculpas, se fez o que fez foi por puro fogo no rabo.

Duvidou da razão. Jurava ter superado a fase apaixonadinha por ele há uns 8 anos. Passou na cama de tanto homem, se envolveu com outras mulheres e nem sombra do malandro na memória, foi só pisar no morro que esse gatilho disparou bem na sua cara. Mexeu com ela, mais precisamente com - entre -, suas pernas. Maldito era ele!

Cobriu o rosto com descrédito e vergonha. Rendendo pra traficante a essa altura da vida que nem tinha mais a idade pra justificar a falta de noção. Num aprendeu nada na vida não? Se jogando pro cara só porque ele ficava mó gostoso marrento e debochado? Droga... Dona Dita daria um treco se soubesse da travessura e por isso ela não podia sonhar que deu perdido no Chefão do Cabo. Sorte que quando voltou ela ainda tava no banho.

Bebeu mais água, segurou o surto e fez a plena pendurando as tais roupas que separou pra arejar, assobiando Malandro, de Elza, pra tapear qualquer postura estranha provocada pela adrenalina. Só chamou mais atenção.

— Quê que tu aprontou?

— Que foi?

— Eu que pergunto. O que tu arranjou?

— Botei as roupa no sol, po. Vai que pega mofo esse monte de coisa cara...

— Sei, mofo, coisa cara... E se coloca roupa no varal nervosa, é?

— Eu tô nervosa?

— Me diz você. Terceira vez que tu sacode esse casaco aí, parece até que vai cair os braço. Aprontou foi?

― Aí, aí, mãe Dita, o que daria pra aprontar nessa casa além de faxina? – desbaratinou – ou melhor dizendo, tentou.

— Tu sabe que do banheiro dá pra ouvir o portão batendo, num sabe, Ellinha? - merda, esqueceu!

Derrubou uma de suas jaquetas favoritas no susto. Engoliu seco e contemplou a desconfiança de mãe Dita. Ora, a quem essa menina achava enganar? Tensa como nunca, ouviu pela milésima vez que “enquanto vinha com a farinha, sua avó repetia um prato de pirão” pedindo ao céu intervenção divina e num é que veio?

Batidas nas placas de ferro anunciando gente no portão. Era o danado do almoço vindo como salvação. Colocaria o chegando na conta da surpresa, um alívio que só durou até se dar conta de que sua avózinha pediria todos os detalhes de sua visita à padaria e ficar sabendo pelo entregador de seus papos com Marcílio.

Até parece que Marola ia deixar essa brecha.

O rapaz da bike se esforçou pra parecer natural em suas negativas porque bastava a velha desconfiar pra ter que conversar com o chefe e pelo bem do pescoço da padoca toda ele ganharia até uma vaga pra fazer figuração lá no Projac. De lá da mesa o cara até conferia e dava nota à essa atuação péssima, mas convincente. Desviou as vistas porque vai que a coroa virava curiosa e sacava tudo? Ela sempre foi ótima pra pegar detalhe e ele nunca gostou de queimar Ellinha.

Até porque Krystiellen nunca precisou de ajuda pra isso, né?

Na moral, papo reto. Quem essa maldita achava que era pra tirar onda com ele nesse nível? Saía fugida do Morro sem dar nem a porra duma despedida, voltava sem aviso prévio e achava que tinha ele na mão só com um charminho a toa? Ela acertou, né? Fazer o quê? Marola não podia ver rabo de saia e o dela era especial demais, da memória guardar por 10 anos como se fosse ontem e olha que se soubesse que aquela foda seria última teria feito melhor.

A Teoria do CorreWhere stories live. Discover now