Enquanto comia, Aldric chegou ao salão, abraçado em seu violão cinza escuro, bem fosco, com cordas prateadas, refletindo a luz.
— Mère! — cumprimentou.
— Mon fils! — Ela sorriu. — É um bom momento... comerá?
— Vinho — dispensou, servindo-se. — Como está? Saudades...
— Meus filhos não sentem minha falta, sabe!? — Ela brincou. — Sinto-me abandonada, mas é momentâneo!
— Amamos-lhe, mère! — sorriu, beijando-a na testa.
— E pensar que você era pequenino... — Althea acariciou seus cachos, saudosa. — Sempre me surpreende vê-lo crescido, tão belo!
— Merci — agradeceu acanhado.
— Como estão as coisas em casa? Muito trabalho? — Ela terminou de comer suas frutas, devolvendo o prato à mesa de centro.
— Estamos aliviados! Os últimos meses foram agitados. Os teimosos... Delano não pode vir, fiz o que pude para poupá-lo — narrou. — Creio ter realizado um bom trabalho. Estou orgulhoso!
— Anseio e nostalgia com orgulho... é um bom dia! — elogiou, admirando-o. — Teve problemas com o trabalho entre os vivos?
— Não como Delano teria. É ruim lidar com tudo... o ar frio, hostil, soprando incertezas... incomoda. Irvin ou Chase me extraem, se preciso... ainda não foi — riu. — Diria estar são — explicou recostando a cabeça em seu ombro. — Esforço-me para não pensar nos 'ses', 'serás' e saudades, apesar de Potos sempre me lembrar deles.
— Parabéns pela resiliência! — felicitou, o abraçando. — Criança, o peso em seus ombros é visível a olhos nus... Por quê? E se? Ah! Que saudade! Que o doce aroma de nossa mãe dissipe estas, que pouco adicionam em tua existência — rezou, calma, investindo o carinho.
Uma fumaça densa de cores vívidas tomou o salão, condensando em lágrimas cores claras, lácteas. Era muito o que ele guardava em si.
Althea concentrou-se e tomou todas. A tristeza e decepção, inundando sua alma, eram não quantificáveis; a culpa, a impotência, o mantinham num ciclo perpétuo de luto, corroendo-o dia após dia.
Aldric desacordou.
Uma pontada atingiu o peito de Althea, tirando seu ar. Algumas lágrimas caíram... com uma profunda desolação, solidão. Demorou, mas ao se recompôr, ela tocou: "Aldous... preciso de sua ajuda!"
Aldous chegou próximo, acariciando seu rosto no caminho das lágrimas — as mãos estavam bem gélidas — e pegou Aldric no colo.
— Obrigada — agradeceu, pondo o violão sobre Aldric.
Aldous a cumprimentou, dispensando palavras e partiu. Althea recostou, realizando suas preces em silêncio, apreensiva.
***
Cessou suas orações quando Delano chegou. Diferente do usual, o baixo de um púrpura bem vívido estava branco até as cordas.
Uma heterocromia dava ao amendoado olhar direito, um tom branco manchado por veios cinzas, manifestando sua instabilidade.
— M-mère! — cumprimentou, com a voz trêmula.
— Mon fils! — Aproximou-se. — Como está? Não diga bem!
— Não consigo chegar... no p-pla- v-viv- Pardon, ma mère! — Ele aceitou sua ajuda para caminhar. — O impulso criativo descolore.
Os veios cinza agitaram-se em seu olhar e o baixo tocou ocas notas. Althea sentou ao seu lado, acariciando o lado direito de sua face. Ficou apreensiva ao sentir o quanto Delano tremia.
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Algos - Livro α - 3ª Edição
SpiritualSe há dor em tudo, é realmente necessário curar? O que dói em ti? Presente, passado, futuro O tempo. No fim do dia, O anseio de tudo que vive é apenas ser livre! Mesmo que doa. O existir. Loucos podem chorar? Loucos podem lutar? Amar? Doentes podem...