1

686 68 55
                                    


Selene Midnight estava empurrando um iceberg.

Ou era o que parecia ser. Pesava como uma rocha imensa de gelo, mas não ― eram ondas gigantescas que ameaçavam abocanhar a praia inteira de Óstia, tsunamis que chegavam como uma fileira de navios para atracar no porto. Parecia como uma batalha sem fim das águas contra aqueles que conseguiam manipula-las; pela extensão da praia, deveria haver pelo menos cinquenta glaives que controlavam a água ― e como um astro num palco, Selene estava no deque de observação da linha de frente.

Selene respirou fundo, forçando o oxigênio a entrar pela garganta e se cravar nos pulmões; estava empurrando as ondas já fazia duas horas ― duas horas inteiras em pé, os braços para frente, as pontas dos dedos trincados cheio de veias azuladas brilhando com seu poder, os tendões dos ombros ardendo como se estivessem sendo retorcidos por uma garra de chamas.

Um gorgolejar chegou aos seus ouvidos; Selene desviou o olhar da cortina azul arroxeada que refletia a cor dos céus naquela hora do dia para o lado; um rapaz estava caído de joelhos no chão de pedra cinzenta do deque, um dos glaives de sua equipe, vomitando apenas água e bile.

O coração de Selene vacilou ao ver alguns respingos de sangue na sujeira liquida. Ela voltou para a onda que cresceu, droga, e deu dois passos para frente, empurrando as águas de volta ao mar, a onda rugindo contra sua investida, se misturando junto aos outros berros de comando, de ajuda, de demônios que sobrevoavam a praia e aqueles que rastejavam na areia pútrida de sangue ― demoníaco e humano.

A terra tremeu sob seus pés. A onda recuou como se sugada por um buraco enorme; Selene aproveitou para recuperar o folego, os ombros doendo tanto que faltava pouco para despencarem de seu corpo.

Então ela viu.

Emergiu como um espinho sob a água, apontando sua cabeça para o céu – uma não, mas várias. Selene franziu a testa, os olhos correndo pela criatura que surgiu; tinha um pescoço e cabeça de dragão, mas sem asas, urrando contra os ventos e as águas, liquido preto viscoso derramando-se de suas escamas que brilhavam com a pouca luz do sol que já se escondera no horizonte com receio dos terrores do crepúsculo.

O ruído de lâminas e armas sendo desembainhadas ressoou quando uma das seis cabeças daquela coisa começou a se esticar para perto da margem da praia. Selene olhou para o rapaz caído – ela não conseguia se lembrar do nome dele com tanto cansaço pesando sobre a cabeça – e correu até ele, puxando-o pelo braço. Estava pálido como um cadáver, e ela verificou o pulso só por via das dúvidas; estava vivo e ainda respirava, mesmo que com muita dificuldade.

Selene passou o braço do rapaz pelo ombro e o arrastou para fora do deque escorregadio de sangue, a coluna inclinando-se para frente à medida que chegava na areia. Ela ergueu a cabeça à procura de qualquer abrigo, avistando uma van com uma das portas arrancadas cuidando de feridos e obrigou as pernas a prosseguirem.

Seu cérebro mal processou quando alguém se aproximou e a ajudou, deixando o rapaz na van ― e o chão estremeceu outra vez, fazendo Selene cambalear e quase cair. Ela virou; tudo parecia o inferno. A praia estava infestada de demônios, e a criatura de seis cabeças estava batendo os pescoços contra os glaives que berravam.

Selene sentiu o estômago se revirar dentro da barriga, caminhando de volta ao deque; da sua equipe com sete glaives, três permaneceram para controlar as ondas que vinham aos montes. Ela bateu as mãos nas pernas e correu em direção à margem, gritos para que saísse dali em suas costas. O lado esquerdo da cabeça latejou quando os pés mergulharam na maré revolta; Selene olhou para o monstro de seis cabeças, duas delas próximas da areia. Estavam ocupadas demais com os glaives que ferviam em combate, então não perceberiam sua presença ainda.

Elementais das Trevas - Falsos Deuses #4Onde histórias criam vida. Descubra agora