Parte 2

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Depois que ele se foi, Dulce seguiu rapidamente pelo casarão antigo e úmido até chegar à escada em espiral que levava aos seus aposentos. Pegando a chave do cordão que levava ao pescoço, destrancou a porta. Um grupo de três pequenos cômodos aquecidos por uma lareira central compunha o santuário de Dulce. Havia apenas três janelas estreitas e um arco, com vidros manchados e antigos, as quais ela deixava descobertas para que a luz do sol entrasse. O quarto cheirava a incenso. Acendia um pouquinho a cada noite, seu único luxo, a fim de afastar os pesadelos. A fumaça perfumada impregnava-se em tudo ali, criando um ambiente só seu.

Ela trancou a porta tão logo entrou, um hábito necessário desde que Drystan passara a olhá-la com crescente interesse.

Sozinha nos aposentos, soltou um suspiro de resignação. A tarefa que a esperava não era nada agradável. Mas, um dia, prometeu a si mesma, escaparia. Precisava acreditar naquilo, ou sucumbiria à insanidade.

Acima da porta principal, o sino de latão soou. Era preso a um cordão que descia até os andares inferiores, para que pudesse ser chamada. Os poucos criados haviam sido dispensados muito tempo antes, e, portanto, era ela a ser chamada para as tarefas.

Vestiu-se depressa, colocando uma combinação simples de musselina, que era fácil de ser lavada, e duas grossas túnicas de lã, puídas após inúmeras lavagens. Prendeu os cabelos longos numa trança, que caía ao longo das costas. Sobre as meias de tricô, calçou botas grossas feitas de pele de cordeiro, que eram amarradas na altura dos joelhos. O chão do calabouço era frio o bastante para extrair rapidamente o calor dos vivos. Os que acreditavam que o inferno era quente nunca tinham entrado no pesadelo gélido de seu pai.

Dulce apanhou seu punhal, prendendo-o no cinto, pegou a pistola e colocou-a na cintura junto às costas.

O sino tocou novamente, agora cinco vezes numa rápida sucessão que transmitia irritação e obsessão maníaca. Dulce se apressou.

O momento de voltar ao pesadelo chegara outra vez.

- Você demorou demais, garota - resmungou Rhys quando a filha entrou. Nem sequer desviou os olhos do cadáver nu a sua frente, apenas fez um gesto na direção do outro. - Comece com aquele ali. Este precisa ser aberto imediatamente. Só pode ser aproveitado durante mais um dia ou dois.

Drystan arrastara os corpos onde antigamente havia sido um calabouço, situado na parte mais antiga do casarão. E agora, era a sala de trabalho de Rhys, pois o frio intenso contribuía para a melhor conservação dos corpos.

Mas o lugar de paredes e chão de pedras úmidas conservava suas antigas características, como as pequenas celas com barras de ferro, agora contendo prateleiras onde seu pai guardava órgãos e cérebros preservados numa solução química, e logo acima uma antiga gaiola de ferro suspensa no teto, usado por proprietários antigos para trancafiar loucos.

Também já havia sido usada para Dulce, em uma noite escura quando sua fuga fora impedida. Depois que os cães a haviam atacado na divisa da propriedade, o pai a arrastara de volta e a prendera na gaiola. Dissera ele que era uma lição por ter ousado abandonar o último membro de sua família.

Ela evitava olhar para a gaiola, pois continha lembranças da pior noite de sua vida. Uma noite que havia ficado ferida, apavorada, e sozinha no calabouço escuro e fétido com os ratos. Agora, ela podia acertá-los de longe com sua pistola ou o punhal, e os roedores pareciam também saber disso, pois corriam para se esconderem nas sombras sempre que ela entrava. Estremeceu só de pensar nas criaturas que deveria ter ali.

Dulce adiantou-se até a mesa de pedra onde estava o outro corpo, como o pai instruíra, bloqueando da mente os sons do trabalho dele e concentrando-se apenas no seu.

Segredos Obscuros - AdaptaçãoWhere stories live. Discover now