Parte 5

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Ela trancou a porta do calabouço, e segurando as duas chaves com força, fez uma pausa para respirar fundo e tentar recobrar o controle. Não salvara o homem movida por ideias românticas. Aquilo era para garotas bonitas, o que não era seu caso. Mas, mesmo sabendo disso, não entendeu porque as palavras do pai a atingiram tão profundamente.

Não podia perder tempo, lembrou a si mesma, prosseguindo. No salão principal, descobriu que Drystan deitara o homem diante do fogo da lareira e o cobria com mantas como ela o havia instruído. Não foi preciso apontar a pistola. Drystan parecia ansioso o bastante para que ela fosse embora e levasse o homem que despertara consigo.

Porém Dulce tomou suas precauções assim mesmo, enquanto examinava o desconhecido. Ele fechara os olhos, mas parecia bem menos pálido e sua pele não estava mais tão fria. Ciente de que teria de controlar Drystan o máximo que pudesse para não correr o risco de que ele soltasse os cães ferozes, ordenou-lhe sob a mira da arma para que fosse até os estábulos. Precisaria de uma das velhas carroças e do único cavalo que tinham. Na verdade, uma égua, Nixie.

Os cães estavam presos em seus cercados, rosnando e latindo. Nem sequer pareceram notar a presença de Drystan, dirigindo toda a agressão para ela. Dulce esforçou-se para conter seu medo e tentar ignorá-los. Era o momento de agir.

Drystan ajudou a preparar a carroça, empacotar os itens necessários, como um saco de ração e pedaços de turfa, e atrelar a égua sem esforço algum para impedi-la, apesar da pistola. Estava obediente demais e Dulce teve a impressão de que ele sorria consigo mesmo, como se tivesse algum plano em mente.

Pararam com a carroça diante do casarão, enquanto o dia amanhecia.

- Vá buscar o homem e coloque-o na parte de trás com todas as cobertas. Coloque também alguns tijolos quentes embrulhados ao lado dele.

Momentos mais tarde quando Drystan terminou a tarefa, ela conduziu-o até um pequeno quarto sem janela que havia servido de acomodação para um mordomo. Ali continha uma cama e um urinol.

- O que vai fazer comigo? – perguntou ele, desconfiado.

- Você verá.

Ela o trancou no quarto e lançou um olhar ao relógio no salão quando passou correndo por lá. Subiu depressa até seus aposentos e com a euforia de uma mulher que ansiara por fugir durante anos, reuniu todos os seus pertences.

Alguns sacos de roupas já estavam arrumados. Colocou-os junto à porta com uma bolsa de pano grosso que mantinha pronta para uma fuga. Continha seu saco de dinheiro roubado, duas garrafas de uísque, o livro de poesia que havia sido o favorito do irmão e um saquinho com incenso.

Arrancando as cobertas e os lençóis da cama, enrolou-os numa trouxa. Pegou velas e um lampião, mais um par de botas grossas e um de sapatos.

Foi preciso descer duas vezes para levar tudo até a carroça. Por fim, foi ao quarto do pai, furtando um velho manto, um camisolão de lã e dois pares de meias grossas. Rhys não tinha muitas roupas, e foi tudo o que ela conseguiu encontrar, mas as peças ajudariam a aquecer o homem nu.

Numa ida à cozinha, ela reuniu rapidamente broas de centeio que assara no dia anterior, queijo, figos secos e dois sacos de nozes. Apanhou também o pote de mel, chá, um pedaço de toucinho e uma jarra de água. Depois que acondicionou tudo nas laterais da carroça, cobriu suas provisões com os encerados.

- Está acordado? – perguntou ao homem no idioma dele. – Consegue falar?

Ele abriu os olhos por um breve momento, e Dulce teve a impressão de que continham medo.

O fato de olhá-la o deixara horrorizado? Seria ela mesmo assim tão feia?

Não havia espelhos no casarão, e ate então ela vira sua imagem apenas na forma de um reflexo distorcido num balde de água.

Os aldeões a repudiavam, mas ela esperara que fosse porque a julgavam um bruxa, não porque fosse deformada. Bem, não importava. Enfim, estaria livre de seu pesadelo e ainda salvaria a vida daquele homem.

Deixando-o mais uma vez, voltou ao casarão para lidar com Drystan. Depois de cuidar de seus preparativos, destrancou o quarto e encontrou-o sentado na cama do quarto com ar despreocupado e um sorrisinho nos lábios.

- O que está tramando?

- Nada, e porque a pergunta, se estou fazendo tudo o que manda enquanto aponta essa pistola para minha cabeça?

Em vez de responder, ela lhe entregou uma garrafa de uísque que ele adorava.

- Beba.

Drystan examinou a garrafa com desconfiança, embora lambesse os beiços como um homem sedento diante de um oásis no deserto.

- Não é dia de pagamento.

- Isso será melhor do que amarrá-lo com cordas e mais prazeroso para você. Vá em frente, beba. Amanhã, quanto estiver sóbrio o bastante para arrombar a fechadura, encontrará um bilhete na mesa da cozinha junto com a chave da porta do calabouço. Leve-o até lá e o meu pai o lerá para você. O bilhete diz onde coloquei a chave da cela dele.

Drystan começou a beber o uísque vorazmente.

- Bem – disse entre uma golada e outra – se você está me obrigando a isto, não tenho outra escolha.

Com as canções de um embriagado Drystan ecoando do quarto onde o deixara trancado, Dulce apanhou as rédeas de Nixie e conduziu a carroça a um passo rápido. Sentia o coração leve, radiante. Não pensou nos riscos envolvidos, ou em preço algum a pagar. Essas eram preocupações para um outro momento.

Agora, só queria pensar em como era bom estar livre, fugir da loucura do pai e de uma vida infeliz. Sem olhar para trás, consultou seus mapas, olhou para o horizonte e guiou a carroça para o Sul, desfrutando pela primeira vez em seus vinte e três anos de idade, apenas a indescritível sensação de liberdade.

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