Capítulo 1 - Uma nova vida

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A carruagem rodava devagar por lugares bem conhecidos pelo viajante que acabava de chegar, e que conhecia aquela cidade como a palma de sua mão.

Avonlea não tinha mudado nos cinco anos que ficara fora. Era como se tivesse se estagnado no tempo, e o progresso do mundo moderno tivesse tocado muito pouco as pessoas daquele lugar, e seus hábitos rotineiros. Estar de volta depois de tanto tempo, lhe trazia sentimentos bons, alguns bastantes nostálgicos, outros nem tanto, mas era curioso perceber que saíra dali com a cabeça cheia de sonhos, e voltara com ela cheia de novo, mas agora de experiências que esperava poder partilhar.

Gilbert tinha vinte e três anos quando partira de Avonlea recém formado na área de Neurologia, e fora para a África trabalhar em um projeto experimental idealizado por um de seus professores da faculdade. Por ser um dos alunos mais aplicados e inteligentes de sua turma, fora convidado junto com outros colegas para ajudar a construir um hospital na região de Moçambique, e onde empregara toda energia e conhecimento, atendendo os cidadãos locais.

O início fora difícil, pois o vilarejo para onde fora deslocado para desempenhar suas tarefas como médico era bastante precário. O recursos eram poucos, e muitas vezes o rapaz tinha que atender seus pacientes em consultórios improvisados que poucas facilidades ofereciam ao jovem médico idealista. Mas tal cenário desencorajador não diminuíra seu amor pela medicina, ou acabara com seu entusiasmo em se doar para a profissão a qual escolhera. Ele estava lá para um propósito, e lutaria para realizá-lo até às suas últimas forças.

Os cinco anos que vivera na África foram de muito trabalho e dedicação, e depois praticar medicina por horas exaustivas, e se deparar com inúmeros obstáculos dentro de sua profissão e fora dela, seus sacrifícios começaram a dar frutos, e tanto ele quanto os seus colegas conseguiram transformar um hospital humilde e de chão de terra batida, em um dos maiores centros de atendimentos na área se Neurologia, Cardiologia, Psiquiatria e Psicologia.

A carruagem passou por uma rua arborizada, e Gilbert sorriu, ao ver as árvores de ipê roxo em flor, fazendo-o se lembrar de sua antiga casa em Avonlea onde o pai plantara uma daquelas árvores bem na frente, pois sua mãe gostava de ter a visão dela enquanto trabalhava em sua máquina de costura. Ele também se lembrou de como costumava enfeitar os cabelos de Alicia com aquelas flores de cor tão intrigante, e tal pensamento fez seu sorriso morrer.

Fazia exatamente três anos que não a via. Namoraram toda a adolescência , foram para a faculdade juntos, e enquanto ele queimava seus neurônios nos livros grossos de medicina, ela fazia o mesmo em seus livros de biologia. Formaram-se ao mesmo tempo, e quando Gilbert fora convidado para ir à África, ela abandonara tudo e fora com ele. Por dois anos viveram um relacionamento perfeito, com muito amor e companheirismo entre eles, mas um fato triste acabou abalando a harmonia do casal, e não mais conseguiram se recuperar. Assim, Alicia arrumara suas coisas e voltara para casa, enquanto Gilbert continuou na África, trabalhando com mais afinco ainda, atingindo seus objetivos profissionais enquanto sua vida pessoal fora relegada a segundo plano.

O rapaz passou as mãos pelos cabelos, depois colocou sobre eles sua boina preta, enquanto tentava não se deixar levar por suas recordações tristes. Quase nunca se permitia pensar em Alicia, pois após o primeiro ano no qual sofrera com a ausência dela, ele se acostumara a ficar sozinho, e a não ser por alguns encontros esporádicos, Gilbert aprendera a se preservar e não mais se lamentar pelo seu último fracasso amoroso. Sua profissão era a única namorada que tinha, ele costumava dizer quando algum amigo lhe perguntava sobre isso, e também dizia que seria casado com ela por muito tempo.

O bom humor sempre fora sua característica principal. Nunca deixava que um dia ruim estragasse o resto das horas que poderiam ser boas. Aprendera a ser assim com seu pai que era um piadista nato. John Blythe lhe dizia que o otimismo era o melhor remédio para qualquer frustração, e assim o rapaz levava essa filosofia para todas as áreas de sua vida. Era uma pena que seu pai já tivesse morrido, assim como sua mãe que o seguira um ano depois. Eles não estavam mais vivos quando ele se formara, e Gilbert carregava em sua mente a lembrança viva deles, para nunca se esquecer de quem tinham sido, e da influência positiva que tiveram na formação de seu caráter. Se pudesse dizer que tinha alguma tristeza na vida, uma delas era a ausência de seus pais, que lhe faziam uma falta imensa. Mas se consolava com o fato de que onde estivessem, eles torceriam por ele com toda certeza.

A brave heartOnde as histórias ganham vida. Descobre agora