Capítulo 9 - Um coração aprisionado

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A garganta doía, e suas costas pegavam fogo. Anne checou mais uma vez sua temperatura, e percebeu que estava com febre alta, e repentinamente começou a tossir, ao mesmo tempo em que assoava seu nariz mais vermelho que um tomate.

Ela se ajeitou na cama, embaixo do edredom quentinho, e sabia que dali não sairia nem que o mundo estivesse desabando.

Pegara uma bela gripe, e tivera sorte de não ser pneumonia. E se estava tão doente, a culpa era toda sua por ser tão imprudente.

Ela fugira da casa de Gilbert no meio da chuva, totalmente desnorteada, porque descobrira que o rapaz lhe provocava sentimentos que não podiam existir dentro dela. Nunca tivera olhos para outro homem que não fosse Robert, e perceber que Gilbert Blythe, quase um desconhecido, era capaz de mudar esse contexto, a deixava mais apavorada do que queria admitir.

Outro acesso de tosse a acometeu, enquanto pensava como tinham chegado aquela intimidade indesejada. Ele a abraçara, e todo o juízo dela tinha desaparecido quando o olhar dele acariciara o seu, e ela quase se rendeu àquele castanho hipnotizante, e a oferta clara que havia ali, sem rodeios, sem falsas justificativas, e sem motivos indecifráveis.

Desejo, foi o que vira no rosto daquele homem que a tinha perturbado desde o dia em que se conheceram. O que não tinha entendido era, como toda a antipatia inicial que sentia por ele se transformara em um sentimento difícil de conter?

Ainda não gostava dele. Ainda detestava o ar superior com o qual ele a olhava quando estavam no meio de uma discussão. Ainda odiava aquele sorriso cínico que indiscutivelmente o deixava mais bonito, mas que a fazia sentir que ele debochava de sua falta de experiência se comparada com a dele, e odiava ainda mais a maneira como ele a fazia se sentir inadequada para estar trabalhando em um hospital como aquele.

Fazia anos que não sentia que precisava provar algo para alguém. Talvez desde a adolescência quando chegara a Avonlea e sentira que para ficar, teria que mostrar a Matthew e Marília, que era digna do lar que estavam lhe dando. Depois na escola de Avonlea, especialmente nas primeiras semanas, quando tivera que conquistar a confiança de um bando de garotas que a consideravam uma intrusa, mas que com o tempo aprenderam a respeitá-la e enxergá-la como igual.

Agora, após anos se sentindo confortável na própria pele, se esbarrava em alguém que parecia disposto a lhe mostrar que ela ainda não tinha conquistado o seu lugar, e que teria que trabalhar muito duro se quisesse ter o direito de ser vista como uma profissional competente.

Assim, ela sentia sua insegurança adormecida despertar, e tudo por causa de um rapaz que conseguia fazê-la se sentir a pessoa menos inteligente do mundo, e ela detestava pensar que ia perder para alguém em alguma situação.

Uma onda de calafrio a fez se encolher debaixo das cobertas, sentindo que sua febre tinha subido de novo. Ela tomou outro antitérmico, e pensou que deveria tentar comer alguma coisa, pois desde que acordara, tinha tomado apenas um copo de leite.

Por sorte, não teria que ir trabalhar, pois Diana passara por ali para irem para o hospital juntas, e Anne lhe pediu que avisasse a diretoria que estava acamada, e impossibilitada de cumprir seu horário de trabalho nos próximos dias. Não gostava dessa situação, mas realmente não tinha como atender nenhum paciente no estado em que se encontrava.

Uma enorme sonolência começou a tomar conta de seu corpo, que foi ficando entorpecido até que Anne mal conseguisse manter os olhos abertos. Por isso, com um grande suspiro, ela se deixou envolver por aquela letargia, e em pouco tempo estava completamente adormecida.

Sem imaginar que Anne estivesse enferma, Gilbert tinha alguns planos para aquele dia. Ele trabalharia até a hora do almoço, quando pretendia ir até o consultório da ruivinha e convidá-la para almoçar com ele. O rapaz sabia que ela poderia recusar, mas ele daria um jeito para que ela aceitasse.

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