Capítulo 4- Testando novos limites.

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CAPÍTULO 4
Anne olhou pela janela, e percebeu que o dia ia ser daqueles com muita neblina e um frio descomunal. Ela adorava morar no Canadá, embora suas origens fossem outras, e apesar do clima pesado do inverno, ela apreciava dias melancólicos assim.

Gostava do ar de aconchego que aquela estação do ano causava nas pessoas, que tiravam suas melhores e mais quentes roupas de seus armários para se protegerem do tempo gelado, assim como ela gostava de chegar em casa e preparar um chá quente de ervas, se enrolar em um cobertor de lã e ler um bom livro em frente de sua pequena lareira.

A única coisa que não achava muito divertido era ter que caminhar até o trabalho quando estava nevando, pois nem sempre tinham transportes disponíveis nesses dias. Além das carruagens, e poucos carros de aluguel , Avonlea tinha um sistema de bondes muito eficiente, mas que em dias muito frios sempre estava superlotado, e deste modo, se não acordasse mais cedo do que o habitual, acabava ficando sem um transporte adequado que a levasse até o hospital.

Assim, ela aprendeu que se não quisesse ter que caminhar por quase trinta minutos, embaixo de grossas camadas de neve que congelariam seus pés rapidamente, teria que deixar a preguiça de lado, e se levantar duas horas antes do previsto para que pudesse se assegurar que teria um lugar para ela dentro do bonde local.

Ela saiu do quarto e foi até a cozinha, onde acrescentou um pouco de leite ao seu chá, o qual completou com uma colher de mel para adoçá-lo como gostava, acompanhando-o com uma das broas de fubá que Marilla lhe dera da última vez que fora visitá-la.

Anne riu ao se lembrar de como sua mãe de criação reclamara por achá-la muito magra, resmungando para si mesma contra a mania das garotas da idade dela de comer como um passarinho para manter a silhueta esbelta, enquanto Matthew lhe dizia para ela não ligar para a rabugenta de sua irmã, pois ela estava linda daquele jeito. E assim voltara para casa com comida para quase dois meses, se perguntando como conseguiria consumir tudo aquilo sozinha.

Ela terminou seu café rapidamente, se vestiu para o trabalho e por último antes de sair, ela foi alimentar Smoke, um papagaio cinzento cuja origem vinha da cidade do Congo , na África. Anne ganhara aquela ave de uma amiga que passara férias por lá, e quando voltara, trouxera em sua bagagem aquele passarinho exótico. Ela lhe dissera que como Anne era alérgica a gato ou cachorro, quisera a presentear com uma companhia que não lhe causaria espirros sucessivos toda vez que tivesse que lidar com ele.

A ruivinha duvidara que se afeiçoaria a uma ave tão diferente, pois nunca tivera um passarinho, nem mesmo quando vivera em Green Gables. Matthew dizia que aves , especialmente os pássaros, deveriam viver livres, e que aprisioná-los em uma gaiola era o mesmo que tirar a liberdade de um homem de bem que não devia nada à sociedade, por isso não fazia ideia de como cuidar de Smoke que parecia tão carente de atenção.

Contudo, Anne se surpreendera como o papagaio era inteligente, extremamente amoroso e muito doce em comparação à outras aves da mesma espécie. Ele aprendia com facilidade, e logo o passatempo mais divertido de Anne era ensinar Smoke a falar vocabulários isolados que ele passou a repetir em situações bastante engraçadas. De repente, ela não se sentia mais tão sozinha, pois vivendo naquela parte de Avonlea onde quase não conhecia ninguém, Smoke se tornou um dos seus melhores amigos.

-Bom dia, Smoke.- ela disse, depois de colocar as sementes de girassol na gaiola que durariam até que ela voltasse para casa, e antes de sair para a rua ela o ouviu responder:

-Bom dia.- com sua voz esganiçada.

Sorrindo para si mesma, ela começou sua caminhada até o ponto onde o bonde costumava passar. O vento que soprava não era tão gelado naquele dia, mas o desconforto em seu rosto a fazia imaginar que com aquela pele tão branca, ela logo estaria toda vermelha a e odiava quando isso acontecia. Ser ruiva às vezes a irritava profundamente, justamente porque a fragilidade de sua pele a impelia a ter mais cuidado, quando as morenas podiam usar cores diversas e sair para um dia ensolarado sem precisarem se esconder embaixo de uma sombrinha o tempo todo.

A brave heartOnde as histórias ganham vida. Descobre agora