Capítulo 5 - Um sorriso e uma vitória

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   Sua folga tinha chegado, e Gilbert estava feliz por poder relaxar durante dois dias inteiros, depois de trabalhar inúmeras horas no hospital, além de alguns plantões inesperados. Era sábado,  por isso, teria um fim de semana tranquilo sem cafés frios, lanches tardios, e sonecas tumultuadas por chamados de emergência no meio da noite.

  Ele já estava acostumado a tudo isso, pois sua vida a muito anos girava em torno dessa rotina estressante, mas também gostava de ter um tempo livre onde poderia fazer suas atividades preferidas. 

  A primeira coisa que fez naquela manhã,  assim que deixou sua cama quentinha foi preparar para si mesmo chocolate quente. Aquela era a bebida de sua infância,  principalmente em dias de chuva ou de neve, e era acompanhada de rosquinhas de nata feitas por sua mãe ou sonhos com creme de morango.  Júlia Blythe fora uma cozinheira de mão cheia, qualquer ingrediente simples se tornava uma delícia irresistível em suas mãos, pena que Gilbert não herdara essa mesma habilidade,  e não soubesse preparar nada mais interessante do que o trivial.

  A neve continuava a cair, e o rosto de Anne passeou pela sua mente inesperadamente, o que o fez se perguntar como ela estaria? Depois de sua festa, ele não a vira mais pelo hospital e era quase como se tivesse se evaporado no ar. No entanto, Diana lhe contara que Anne fazia alguns atendimentos voluntários em bairros mais carentes, por isso em horários especiais,  ela não podia ser encontrada no hospital.

  Essa informação,  de certa forma o fez admirá-la, pois eram poucos os médicos que em início de carreira se doavam dessa maneira sem nenhum tipo de remuneração. A maioria se preocupava em acumular fortuna para no futuro se aposentarem mais cedo, e deixavam para fazer caridade quando não precisavam mais se preocupar com seu salário mensal.

  Por isso era tão incrível que ela respeitasse tão regiamente seu Juramento de Hipócrates, e fizesse valer o significado real do que a Medicina pregava em todos os seus anos dentro de um campus universitário. E sendo um idealista ele mesmo, Gilbert só podia exaltar tal gesto da Dra. Cuthbert e seus lindos olhos azuis. E só por causa deles, ele não achava mais que ela fosse  seca por dentro. Na verdade havia algo adormecido ali, esperando para ser despertado, e quando isso acontecesse seria algo lindo de se ver.

  Ele terminou sua xícara de chocolate quente, e decidiu terminar a arrumação da casa. Os cômodos principais já estavam organizados, mas havia um quarto onde várias caixas foram amontoadas com objetos que não eram usados a anos, por isso, ele decidiu que doaria os que não servissem mais, e manteria consigo os que tivessem algum valor pessoal.

   Assim que entrou no quarto, Gilbert abriu a janela, pois como permaneceria ali por um bom tempo, manter-se em um ambiente abafado e empoeirado poderia lhe causar inúmeras alergias.  Não que tivesse problemas com isso, mas ele lembrava bem que Alicia tinha crises horríveis de rinite e ficava adoentada por vários dias.

 Que droga! Lá estava ele pensando nela de novo. Três anos de distância não conseguiram apagá-la de seu coração, e estar de volta aquela casa onde tinha uma lembrança dela e cada canto com certeza era  a causa principal disso. Talvez fosse necessário viver o luto por seu relacionamento terminado, para que pudesse exterminá-lo de vez de sua vida.

   Gilbert abriu a primeira caixa, e encontrou várias coisas de sua adolescência.  Um troféu de um campeonato de hockey no qual participara no ensino médio,  uma boina vermelha que sua mãe tricotara em seu aniversário de doze anos. O velho estetoscópio que ganhara de seu pai quando aos seis anos dissera que queria ser médico. Um taco de baseball do qual nem se lembrava mais, e um globo terrestre que ganhara na escola quando começara a estudar a estrutura de outros países. 

  A segunda caixa era menor, e ali estava armazenada uma coleção inteira de enciclopédias na área de biologia, uma tabela de tabuadas, um caderno de caligrafia no qual sua mãe o obrigava a praticar todos os dias para melhorar sua escrita, um dicionário de inglês,  e embaixo de tudo aquilo, ele encontrou uma echarpe azul que pertencera a Alicia.  Seu peito se apertou por um segundo enquanto ele se lembrava das ocasiões nas quais ela a usara, e depois balançou a cabeça, perguntando como poderia deixar o passado para trás se tropeçava nele a todo segundo?

A brave heartOnde as histórias ganham vida. Descobre agora