Um

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AGORA.

─ O que aconteceu contigo?

A voz, sussurrada de forma enigmática, ecoa do fundo do elevador, fazendo-me arregalar os olhos. Uma pergunta intrigante, cuja resposta não habita facilmente meus pensamentos. A menininha ao meu lado volta a concentrar-se no pirulito, aguardando uma resposta.

─ Seus olhos estão vermelhos. Você estava chorando?

Quase por instinto, observo a vermelhidão dolorida no fundo dos olhos nas paredes espelhadas do elevador. Além das olheiras, marcas de alguém que não dormiu nos últimos 2 dias.

─ Acho que algo entrou no meu olho ─ explico, contra minha vontade. Mentira descarada. ─ Estou bem.

A resposta parece suficiente, e ela sai assim que as portas se abrem, desaparecendo pelo corredor B.

Sigo pela direção oposta rapidamente, desejando chegar ao meu apartamento sem mais conversas irrelevantes. Ultimamente, pouco importa para mim. E há uma explicação, uma que prefiro não confrontar.

Um corredor deserto, iluminado apenas por uma luz tênue, me leva ao apartamento. Sinto-me cercada por um silêncio que ecoa as memórias recentes, e cada passo parece uma sentença em um julgamento silencioso.

Chego na porta verde musgo na área C5 apartamento 12, no 3° andar. Aproximei o cartão e magicamente minha porta se abriu, sem esforço. Básico. Uma atmosfera gélida envolve o ambiente, ressaltando a ausência de móveis e decoração. Sento-me no sofá solitário, observando as sombras dançando nas paredes nuas, enquanto a lembrança de momentos felizes se dissolve como poeira no ar.

Ele já havia retirado cada vestígio, apagado cada lembrança e acabado de despedaçar o último caco do meu coração. Incrível como as coisas boas acabam assim. Simples. Dolorosas.

Nós amamos. Nós sentimos. Nós caímos. Nós não existimos mais.

A porta se fecha atrás de mim quando a empurro com o pé, me deixando deliciar com a batida forte da madeira em impacto. Soou agressivamente mórbido. Eu gosto. Gostar de alguma coisa durante os últimos dois dias pareceu errado, pelo simples fato de que eu gostava demais daquele que me machucou e isso só me trouxe dor de cabeça e um contrato de apartamento que venceu à meia-noite de hoje. Como eu pagaria o aluguel com certeza é um mistério.

Meu celular apitou algumas vezes por causa do anúncio, mas eu as ignorei, todas elas. Ou quase, me lembro de responder ok para uma entrevista. Mas ainda tinha tempo, sei lá. Acabava de chegar do meu emprego que eu também perdi, graças a ele, de novo. Como eu vim parar aqui?

Andrew foi meu chefe, seus amigos eram meus amigos, sua família se tornou a minha e a minha vida passou a pertencer a ele. Cada tapa foi apagado pelas migalhas de atenção que eu recebia. Ao começar pareceu errado sim, muito errado. Mas passou a ser aceitável de um jeito doentio pois... Seu amor pareceu suficiente. Estou rindo agora. Mórbido. É o único jeito que sei ser, mórbida e doente. Somente uma pessoa doente aceita ser tratada assim.

A porta bate. Eu ignoro. Mais uma batida e minha paciência evapora.

Corri para a madeira cor de musgo e girei a maçaneta para dar de cara com uma garota adorável. Sua empolgação ao me ver de imediato chamou atenção pois tenho certeza que seu sorriso era falso. Falso de um jeito educado, apesar da empolgação, claro. Minha cara estava uma bagunça e tenho consciência disso. Mas ela, por algum motivo, escolheu não comentar.

─ Mabella?

Assenti.

─ Sou eu.

─ Me chamo Calissa. ─ ela diz como se eu devesse saber. Talvez eu devesse. ─ Falamos mais cedo por telefone. Sobre o apartamento. ─ Calissa imediatamente se corrige. ─ Pelo quarto vago.

EvilBellaOnde histórias criam vida. Descubra agora