Dois

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ANTES.

─ Qual é Nora, é só escolher uma cor qualquer e comprar a tinta.─ Sugere Harry, entediado.

─ Oh, é? ─ Pergunta Nora, ironicamente, enquanto lhe dá um leve peteleco na testa. ─ Pare de reclamar como se não fosse o culpado pela cozinha ter pegado fogo.

Faz duas horas que estamos escolhendo uma cor nova para a nossa parede completamente queimada, por culpa de Harry. Vivemos os três juntos há um ano após a graduação, e, refletindo sobre isso, parece ter sido uma escolha imprudente. Harry demonstra-se excessivamente desastrado, sem assumir responsabilidades e demonstra imaturidade em diversos aspectos. No entanto, ele continua sendo um ótimo amigo.

Nora, por outro lado, é o completo oposto dele em todos os aspectos. Analítica, obcecada por controle e possuindo um espírito maternal evidente.

Não pude conter o riso ao notar a expressão surpresa da atendente da loja, observando-nos atrás do balcão durante nossa discussão.

─ Vocês estão assustando a pobre mulher. ─ comento com eles.

─ É tudo culpa dele.
─ É tudo culpa dela.

Eles dizem em unisolo me fazendo rir novamente, e por sorte, eles me acompanharam dessa vez.

─ Pêssego. ─ Seguro o tecido de amostra em mãos. ─ é esse que vamos levar.

E, por sorte, eles concordam com a voz da razão (que sou eu), dirigindo-se à balconista para efetuar o pagamento pela lata de tinta e alguns pincéis. Como não sou responsável pelo incidente ocorrido, decido me abster dessa tortura, pelo menos por enquanto.

O dia está bastante agradável.

Não costumo pausar para apreciar as coisas belas da vida, mas hoje, em particular, parece ser uma ocasião especial, daquelas que serão recordadas de maneira peculiar, até mesmo inexplicável.

Não consigo compreender o motivo. Sinto-me cada vez mais intrigada, submersa em um sentimento intenso. Minha vida é preenchida por momentos assim, desde o amanhecer até o anoitecer. "Devemos ser gratos", costumam dizer. Contudo, recentemente, há poucos motivos para agradecer, especialmente quando a vida transcorre de maneira monótona e rotineira.

No entanto, hoje parece diferente.

Ao deixarmos a loja, deparamo-nos com um grupo de pessoas admirando algo na rua, possivelmente um espetáculo ou apresentação. A música não ecoava em alto volume, mas a animação das pessoas era evidente, contagiando-me a observar. Posicionei-me nas pontas dos pés, ainda distante, tentando satisfazer minha curiosidade, embora sem sucesso. A multidão era densa, formando um grande círculo.

─ Você pode ir até lá, Mabel, nós entendemos. ─ Harry comenta, ao tocar meu ombro. ─ A gente te espera na lanchonete.

Concordo prontamente, mesmo diante do olhar de reprovação de Nora, que, antes de proferir seu sermão habitual, foi arrastada por Harry rua afora.

Agora posso ser minimamente feliz em paz.

Ao aproximar-me da multidão, esgueirando-me entre as pessoas até alcançar o centro das atenções, onde os olhares e flashes fotográficos convergiam, deparei-me com uma cena encantadora. Um jovem, sentado em um banco de madeira, dedilhava suavemente as teclas de um piano. Sinceramente, desconheço quem o colocou ali ou o motivo, mas isso tornava-se irrelevante diante de sua performance envolvente.


Permaneci ali durante o tempo que a melodia perdurou, ocasionalmente fechando os olhos para memorizar cada nota, embora não seja habilidosa em tocar piano.

─ Por que as coisas bonitas são tão tristes?

No exato momento em que o som do piano diminuiu, uma voz suave penetrou meus ouvidos, preenchendo cada espaço até alcançar minha garganta, reverberando em meu estômago.

Raramente, vozes conseguem percorrer tantos caminhos.

─ Por que acha que as coisas bonitas são tristes? ─ Inquiri, abrindo meus olhos.

─ Acho que coisas bonitas são apenas a primeira camada de algo muito maior. Escondido, atrás de uma máscara, há algo triste por trás das coisas bonitas.

Que pensamento intrigante... E, de certa forma, compreendi precisamente o que ele quis dizer. Tenho o costume de interpretar a vida dessa maneira, não apenas em relação às coisas belas, mas também à metáfora poética e literária que envolve nossas experiências cotidianas.

─ Você é um poeta, por isso percebe o lado melancólico das coisas. ─ Afirmo.

─ Como sabe que sou um poeta? ─ Ele questiona, surpreso.

─ Não sei ao certo, foi apenas um palpite, mas aparentemente acertei. ─ Sorrio.

Em minha mente, quando me virei para encará-lo, antecipei-me a encontrar alguém com o estereótipo artístico que frequentemente associamos aos poetas. No entanto, deparei-me com ombros largos e olhos oceânicos. Cabelos negros, tão escuros quanto uma noite de tempestade, destacavam-se contra a luz solar, evidenciando suas sardas. Sua postura era rígida, embora sua expressão permanecesse serena, quase morna, apesar de seu peito subir e descer rapidamente.

Você é belo como um poema.
Possui uma aura curiosa, como um mistério.
Emana uma presença apaixonante, como um romance.
Quem é você?

Fixando meus olhos nos dele por um breve instante, o poeta misterioso sorri, provocando uma sensação de calor sob minhas roupas. Subitamente, sinto o desejo de libertar-me delas. Estão me incomodando.

─ Qual é o seu nome? ─ ele pergunta.

─ Mabella Anderson. ─ Piscamos praticamente juntos por causa de minha fala formal e seria. ─ me chame de Mabel.

Ele sorri balançando a cabeça.

─ Sou Andrew Pressman. ─ Ele estende a mão para mim de um jeito cordial.

"Em que tipo de narrativa me envolvi desta vez?" Pondero por um breve momento antes de apertar sua mão, em um gesto nervoso que o faz rir.

Andrew sorri muito.
Eu gosto de seu sorriso.
Sorria mais Andrew.

─ E então, você é um poeta? ─ Eu pergunto, curiosa.

─ Direi se me acompanhar para um café.

Quem imaginaria que um piano, uma pergunta e um convite para um café mudariam o curso de minha vida para sempre? Posso afirmar que, se Harry tivesse permitido que Nora falasse naquele dia, os próximos capítulos não teriam sido tão sombrios.

E se eu não tivesse respondido?

EvilBellaDove le storie prendono vita. Scoprilo ora