Nove

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DEPOIS.

Sinto que estou vivenciando um pesadelo, em seu pior cenário. Desde que deixei minha residência, não troquei uma palavra sequer com Matteo. Estou vestindo as mesmas roupas, os mesmos sapatos e a maquiagem desgastada. Sinto-me completamente despedaçada.

O táxi me deixou em frente ao hospital há alguns minutos, contudo, é como se meus pés estivessem fixados ao chão.

Sinto ódio. O ódio fervilha dentro de mim. Andrew está à beira da morte em um hospital, e tudo o que consigo pensar é no quanto o odeio. Uma infinidade de cenários passaram pela minha mente tumultuada, todos envolvendo morte e vingança. Talvez eu devesse sufocá-lo com um travesseiro ou desligar os aparelhos que o mantêm respirando.

Odeio o fato de ele ainda estar respirando.

Movida pela mágoa, avanço da calçada até a porta, onde o caos se estabeleceu devido à emergência estar lotada. Há pacientes por todos os lados e médicos desesperados para ajudar. Talvez um deles possa me auxiliar.

Entre todas as macas da emergência, não avisto muitas crianças, muito menos alguma que se assemelhe a Andrew, como imagino que Gwendolyn seja.

E se ela tiver os olhos dele... Sua boca. Talvez até seu comportamento.

Fecho os olhos e deixo que cada pensamento ruim evapore. Faço uma pausa na recepção. Uma enfermeira me observa de longe e, logo em seguida, se aproxima.

─ Posso ajudá-la?

Automaticamente, assinto com a cabeça.

─ Estou procurando por... ─ Engulo as palavras. ─ Gwendolyn Pressman.

"Me acompanhe", ela diz, mas eu não me movo. Paro no meio do corredor e sinto como se a luz tivesse sido apagada. Tudo dentro de mim se apaga. Paro para refletir e lembro que essa menina é filha de outra mulher. Meu marido teve um bebê com outra mulher, e ela tem o meu nome. Meu nome na filha de sua amante. Isso me faz respirar com dificuldade.

Aproximando-se de mim, a enfermeira pergunta "você está bem?", mas eu não respondo nem sim, nem não. Apenas não digo nada.

Não chore, Mabella, não chore, não chore.

─ Podemos ir.

Estou castigando as palmas das minhas mãos com as unhas enquanto sigo essa desconhecida para um local que definitivamente não é a emergência.

Caminhamos em direção aos quartos. O número 56 está na porta em que ela para e aponta para que eu entre. Estou com muito medo do que vem a seguir. Absolutamente aterrorizada, na verdade. Minhas pernas tremem como se estivesse frio e eu não tivesse nenhuma fonte de calor para me aquecer. As mãos? Tanto quanto. Não entendo por que está tudo tão escuro. Eu me sinto cega. Cheia de dor.

A enfermeira abre a porta e eu dou dois passos para trás, quando deveria estar avançando para frente.

Minha vida é um caminho contrário infinito que sempre me leva para trás.

Nunca para frente.

Sinto medo, pavor, e a pior parte é que, no fundo da minha alma, eu sei que essa menininha não tem culpa de absolutamente nada. Minhas pernas estão fracas e as dela devem estar ainda piores. As mãozinhas com certeza estão sem calor e tremendo pela falta de alguém para segurá-las. Nesse momento... Sou tudo o que ela tem. E ao mesmo tempo, sinto que sou absolutamente nada.

Engulo todas as minhas dúvidas quando tomo uma distância segura para dentro. Convicta, segura de que nada lá dentro poderia me assustar.

Num segundo, nada se mexe; em outro, a terra deseja me sugar para dentro.

Olhos arregalados me observando do outro lado do cômodo quando Gwendolyn percebe a minha presença, aconchegando o seu frágil corpo em um simples urso de pelúcia, que parece lhe trazer mais segurança do que eu jamais poderia.

─ Gwendolyn foi examinada e não sofreu nada a mais do que uma batida na cabeça. ─ A enfermeira explica. ─ Como já saiu da observação, é só assinar a alta e ela poderá ir para casa.

Para casa, comigo, na minha casa.

Me viro como um furacão desgovernado para ela e pergunto:

─ O pai dela... ─ Engulo as palavras. ─ Como está?

A enfermeira pausa por um momento antes de responder, parecendo considerar suas palavras com cuidado.

─ O estado do Sr. Pressman é grave. Ele está na UTI e os médicos estão fazendo o possível para estabilizá-lo. No entanto, é uma situação delicada e ainda não podemos garantir um desfecho favorável.

As palavras da enfermeira ecoam na minha mente, deixando-me atordoada. Apesar do ódio que sinto por Andrew, a notícia de sua condição crítica me deixa em conflito. Não consigo evitar um turbilhão de emoções, desde a raiva até a culpa.

Gwendolyn olha para mim com seus grandes olhos inocentes, como se buscasse consolo na figura desconhecida diante dela. Sinto um aperto no peito ao encarar a criança, incapaz de ignorar a semelhança física entre ela e Andrew. A presença de Gwendolyn é uma dolorosa lembrança da traição de meu marido e das consequências devastadoras de suas ações.

Respiro fundo, tentando me recompor e me concentrar no que precisa ser feito.

─ Obrigada pela informação. Eu cuidarei de Gwendolyn agora. Você pode me orientar sobre os próximos passos para a alta dela?

A enfermeira assente, oferecendo algumas instruções sobre cuidados pós-alta e medicamentos que Gwendolyn precisará tomar. Absorvo as informações, determinada a garantir que a criança receba todo o cuidado necessário.

Com um nó na garganta, viro-me para Gwendolyn e estendo a mão com delicadeza.

Gwendolyn olha para mim com uma mistura de curiosidade e confiança, e lentamente estende a mão para segurar a minha. É um gesto pequeno, mas significativo, que me enche de uma sensação de responsabilidade e um medo terrível de falhar com essa mesma responsabilidade.

─ Vamos para casa.

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