Introdução

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Ciclo. Ultimamente essa palavra me aparece em diferentes formas. Tudo é um grande ciclo. Somos expulsos do lar mais confortável do universo, jogados em seguida num mundo fétido, no qual o ar que entra rasgando os nossos pulmões pela primeira vez nos faz chorar. Esse é o começo de muitos ciclos.

Crescemos, nos acostumamos com a sujeira, a dor, o choro, a manipulação e a mentira. Observamos aqueles que nos acompanham e passamos a copiar seus movimentos, com um toque peculiarmente original, dado cuidadosamente para que não haja plágio aos olhos do universo. Repetimos nossos pais. Depois, conhecemos estranhos que com o tempo passamos a lhes atribuir o termo de familiares, mesmo que não sejam, mesmo que sejam sanguessugas. Passamos a copiar esses estranhos em um novo ciclo, nos fazendo distantes da primeira essência que tivemos.

O mundo estranho é bom, traz curiosidade e vontade de experimentar tudo. Os estranhos são legais, e o tempo não pode mensurar o que é real ou não. Dane-se o tempo. O tempo é uma ampulheta quebrada e sem serventia. Mas o tempo nos tira os estranhos, e traz, talvez, só talvez, protagonistas de um novo ciclo. O tempo traz o amor. Dentro da ampulheta quebrada, as areias temporais escorrem lentamente, monitorando os inícios e fins de ciclos ainda não determinados. No ciclo dos ciclos, os borrões das memórias distantes retiram a pureza dos bons momentos, atenuando os erros que o tempo expõe como graves cicatrizes do amor.

Ah, o amor! Esse ciclo sem fim, sem começo, sem direção... Repetimos e renovamos o tudo e o nada. O fim, no fim, é só mais um detalhe necessário para o funcionamento do ciclo. O fim, no fim, sempre é anunciado, trazendo cores cinzas com pinceladas que tentam dourar um sol que morre. O fim é o fim, e desejamos ter aquela segurança do lar mais confortável do universo. Desejamos casa, pai e mãe. Desejamos um abraço que por vezes não está lá. Desejamos ser o que nunca seremos ou, pelo menos, não podemos ser no agora. Ciclos necessitam de um início, de um auge e de um fim. Nada é para sempre, talvez nem mesmo Deus.

Por quais razões as forças superiores nos dão por imposição a ordem de amar? O amor, dizem, é o combustível da vida.

Também dizem alguns que os antigos gregos, tão amantes da sabedoria, classificaram o que hoje compreendemos como amor em sete palavras, dando a cada uma dessas ramificações um significado específico. Não seria por acaso a razão de talvez ser o número perfeito, sete, que condicionasse o amor à submissão insubmissa em um sentido inexistente, ocasional, divino, metafórico, e totalmente além de nossa ínfima humanidade.

Nas vastas palavras que temos para justificarmos o afeto, a luxúria, o ciúme e outras tantas, perdemos o sentido do que é e do que não é. Até o vazio pode ser, e com razão, afinal, o vazio, sendo nada, pode assumir essência. Para as classificações humanas do amor, as palavras supostamente divinas idealizam bem mais do que pode ser possível interpretar o sublime conhecimento superior.

Amor é tudo, amor é nada. Amor, sendo Eros, é o romântico ato do viver uma ardente paixão, repleta de desejo e atração. No contexto em que certas pessoas acreditam, ou melhor, exigem manter em si mesma uma crença peculiar, Philia se faz como um destino entrelaçado ao meio de escolhas. É a ligação entre duas almas ditas gêmeas. No contexto do vazio, o Ludus traz a casualidade em sua forma descomplicada, sem o envolvimento dos sentimentos.

Nos outros rostos dado ao amor, Storge se baseia no amor inconsciente e instintivo da proteção entre parentes. Por mais que haja desavenças, na maioria dos casos o que prevalece é o ato familiar do proteger, mesmo que até de forma unilateral. Philautia é, para alguns, um dos mais importantes, se fundamentando no amor-próprio, nas margens de um egoísmo, podendo se dividir na saudável manutenção da autoestima, ou servir como base para um narcisismo.

O compromisso da construção de planos futuros leva o Eros a modificar sua forma inicial de paixão ardente, buscando se firmar como Pragma, raiz dos sentimentos de companheirismo. Por último, o mais difundido em algumas partes do mundo, Agápe amplia todos os conceitos, dando, talvez, o rosto mais belo do amor. Esse amor sobrevive dos sentimentos bondosos que existem em mútuo acordo, sendo altruísta e empático. É, provavelmente, a forma que mais precisamos desenvolver.

Tantas palavras, apenas para definir os rostos invisíveis de um espelho interno, refletido nos olhares mais distantes do que beira a inexistência metafísica. O amor é trabalhado, sentido, buscado, condenado. O amor é e deixa de ser, segundo os gregos. O amor traz e leva, atrai e assusta. Nesse grande campo selvagem de pradarias invernosas, somos a caça preferida dos deuses, que nos capturam nas redes do destino e decidem um futuro insolente. Poucos, teimosos, escapam das garras divinas e tentam burlar as leis universais que nos regem. Para tudo há uma rota de fuga, contudo, não para a mais cruel instituição do mundo desconhecido: o tempo.

A essência do tempo corre como um fio, tão fino e tão frágil, mas imutável. É implacável, indelével, imaculado. O tempo devora tudo, cobra todas as dívidas, se nega a perdoar. O tempo é a ausência complexa e completa da compreensão humana.

O tempo é o sono, que vem com dores de cabeça. Nos sonhos, o tempo nos devora com voracidade insaciável. O tempo se tornou nosso medo, um medo que vem real, pois o tempo o torna real. O tempo pode curar, mas deixa amargas cicatrizes. O tempo dói. O tempo tem tudo e não tem nada. O tempo é cheio e vazio.

O vazio caótico de uma criatura amargurada se derrama em letras molhadas pelo líquido que sai das janelas da alma. O tempo dói. Implacável, o líquido que deveria sair não quer sair, reside preso, entalado, fixo no olhar e na garganta. O tempo dói. O tempo dói e o tempo recupera. Quando ou quanto?

O tempo marca com ferros quentes as costas já tão feridas pela ausência do próprio tempo que tivemos em nossas mãos e deixamos passar, perdendo, naquele vazio, uma imensidão de momentos que não foram vividos. O tempo dói.

O tempo marca nos meses sem trabalho, na vida que mudou, nos dias sem ter. O tempo tira o ter. O tempo dói. O tempo marca com lágrimas cada letra, ponto e vírgula gastas em frases incompletas, detidas por instantes eternos que estão se esvaindo. O tempo não perdoa.

O tempo muda o semblante das pessoas por um tempo que continua indeterminado nas areias invisíveis da ampulheta de Cronos. Não há como esconder a dor do tempo perdido, ganhado, maltrapilho, feliz e triste. O tempo é triste. O tempo dói e o tempo tira. O tempo não devolve. O tempo traz de volta o que foi, mas com mudanças. Mudanças são ruins, mas mudanças são boas. Mudanças doem menos que o tempo. O tempo dói.

O tempo permanece em prantos diluvianos, mas não chove lá fora. Chove dentro de nós. Chove a dor do tempo perdido bem dentro de nossas frágeis alma.

Caso Sinta FrioDonde viven las historias. Descúbrelo ahora