Capítulo VI

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Suas mãos frias esfregavam-se numa tentativa de conter o suor e o nervosismo. A leve ansiedade causava uma secura nos carnudos lábios, sedentos por hidratação. Augusto, contudo, por mais nervoso que estivesse, não cogitou por nenhum segundo voltar atrás. Era como se algo invisível fizesse com que seus pés não se movessem até a hora em que Carmelita chegasse.

A alguns quarteirões de distância, Carmelita tentava ficar mais linda do que já era. Passou mais de uma hora e meia se requintando para o passeio que se aproximava. Testou todas as saias, blusas e vestidos, até encontrar algo que ela julgou como ideal: uma saia de seda em cor verde clara e uma blusa leve com um fraco tom de rosa. Com o cabelo de lado, caindo pelo alvo pescoço, e um tradicional batom vermelho marcante em seus carnudos lábios, demonstrava tanta beleza que parecia ser descendente da própria Afrodite. Seu perfume era capaz de deixar ébrio o deus mais resistente do Olimpo. Era esplendorosamente divina.

Ao sair, falou para o pai que ia ao cinema.

— Papai, estou indo ver um filme com as minhas amigas. – Afirmou Carmelita, certa de suas ações.

— Será mesmo? Parece que tá indo ver o príncipe da Inglaterra! – Falou Seu Zé Bonifácio, em um tom de quem estava com a pulga atrás da orelha.

— Oh, meu pai! Só um filmezinho. Volto às nove. – E beijou o velho na bochecha, saindo em seguida antes que seu querido pai fuçasse mais sua estranha ida ao cinema.

— Nem um minuto a mais! – Gritou Seu Zé, voltando a fazer o as contas do rendimento mensal de sua loja.

Carmelita caminhou pensativa e lentamente, entre sorrisos, para a praça, quando Augusto a surpreendeu por trás.

— Augusto, meu Deus! Quase que morro de susto. Para que isso? — E riu nervosamente.

— Não quis te assustar. Você está linda. – E entregou o simples buquê nas mãos dela, que sorriu, retirando uma das flores e colocando no cabelo.

— Augusto, estou perplexa! Não esperava ser recebida assim.

— Para ser sincero, eu não sabia como te receber, então improvisei. Espero que tenha funcionado.

— Depende do que você quer que funcione. – Sugeriu, sorrindo de maneira encantadora.

— O que você diz funciona para me deixar tolo. – Afirmou timidamente Augusto, um bobo, com aquele nervosismo de quando se está com alguém que gostamos.

Carmelita estava deslumbrante, imensamente tanto que quase que Augusto ficou mesmo emudecido. Era o perfume de jasmim, era o dourado dos cabelos refletindo a luz da lua, era seu rosto com contornos delicados, perfeitos. Não era possível encontrar palavras. Tudo o que conseguia lhe envolver naquele momento era a sensação de plenitude. O luar caminhava lento pelo céu iluminado com a Via-Láctea, e o vento frio fez Carmelita encolher os braços. Augusto pensou instantaneamente em sua jaqueta, deixada na pensão. Ele deveria estar com aquela velha jaqueta que um dia pertencera a seu pai, para caso Carmelita sentisse frio, como naquele momento.

Chegaram ao cinema poucos minutos antes de começarem o filme. Tinha poucas pessoas. Ainda assim, alguns cochicharam quando viram aquele jovem casal sorrindo e se divertindo que nem repararam nos outros. Estavam ali apenas por si mesmos. Eles pareciam um oásis em meio a um deserto de pessoas monótonas. A animação de Carmelita em estar ao lado de Augusto superava a animação de ver 2001: Uma Odisseia no Espaço. Para Carmelita, a odisseia da vida poderia ser uma aventura romântica com o distante Augusto, que jazia hipnotizado ao seu lado, tentando disfarçar os olhares já entregues. Não havia resistência, era humanamente impossível desviar das flechas do Cupido naquele momento delicadamente preparado pelo destino.

Caso Sinta FrioOnde histórias criam vida. Descubra agora